Em pouco menos de um mês, o cantor e compositor Gilberto Gil inicia sua última turnê, Tempo Rei, com estreia marcada para Salvador, na Bahia, no dia 15 de março. Aos 82 anos, o artista permanecerá na estrada até 22 de novembro, com shows em diversas capitais brasileiras, inclusive em Curitiba, de onde escrevemos, com ingressos já à venda.

Veja datas, detalhes e ingressos de todos os shows aqui: www.giltemporei.com.br

Quem o segue nas redes sociais e acompanha seus preparativos artísticos, físicos e espirituais para sua última temporada de shows talvez não conheça a história daquela que pode ser chamada de sua primeira grande turnê nacional, ainda que em um espetáculo coletivo.

Momento 68: a contracultura virou espetáculo

Momento 68 era o nome do megaespetáculo, uma mistura de happening, concerto e desfile de moda que misturava música, teatro, moda e arte experimental. Produzido pelas empresas multinacionais Rhodia, do setor têxtil, e Shell, Ford e Willys, do setor automobilístico, era mais ou menos uma emulação dos eventos que aconteciam em Nova Iorque e na Swingin’ London daquele mesmo tempo.

Tendo como pretexto o lançamento de uma linha de produtos chamada Tropicália, o Momento 68 colocava no mesmo palco o que havia de mais cool, aquilo que era” tendência”, o que estava para acontecer na cultura pop nacional. E na música, era evidentemente a Tropicália dos baianos Gil e Caetano, os artistas mais quentes da cena da nova MPB com seus costumes brancos, suas batas estampadas e cabelos começando a crescer.

Foto: caetanoendetalle.blogspot.com/reprodução

Olhando para o passado da música brasileira e com grande influência da brasilidade antropofágica de Oswald de Andrade, a Tropicália buscava acertar o passo com o zeitgeist do pop mundial. Gil e Caetano, que eram amigos desde 1963, faziam os principais shows musicais com a direção musical de Rogério Duprat, que também arranjara e produzira o clássico disco manifesto Tropicália ou Panis et Circensis naquele mesmo ano.

A banda era a Brazilian Octopus com músicos como Hermeto Pascoal e Lanny Gordin, entre outros, e a estreante Eliana Pittman. O Momento 68 rodou o Brasil e e numa de suas sessões inaugurou o teatro da Rede Manchete na Praia do Russel, no Rio. O show também passou pelo Teatro da Reitoria em Curitiba.

Do teatro, aliás, veio o diretor geral, Ademar Guerra, que vinte anos depois montaria a primeira peça baseada em Dalton Trevisan em Curitiba. No palco, os atores Raul Cortez e Walmor Chagas interpretavam textos de Millôr Fernandes e Carlos Drummond de Andrade.

Foto: caetanoendetalle.blogspot.com/reprodução

Os números de dança eram um espetáculo à parte, com coreografias dos americanos Jojo Smith e Lennie Dale (que pouco depois, nos anos 70, fundaria o lendário grupo de dança Dzi Croquettes).

A grande estrela, porém, era a coleção Brazilian Fashion Foolish, assinada pelo talentoso Alceu Penna, apresentada por mais  dezenas de modelos, que não apenas desfilavam, mas também cantavam e dançavam.

Às vésperas do Ai-5, o evento era uma grande celebração de liberdade criativa bancada por multinacionais, mas com referências diretas ao movimento hippie e à psicodelia, como revela o texto do cartaz abaixo. Eram tempos complexos:

Foto: caetanoendetalle.blogspot.com/reprodução

Viet-Cong, Tropicália,
Moda.
Bomba H, Zen Budismo,
Moda.
Transplante, LSD,
Moda.
Make Love, Pop Arte,
Moda.
Com Deus, Sem Deus,
Moda.
Deus nos acuda!

Síntese: Freud + Marx + Tecnologia +
Liberdade de Expressão Artística =
Mary Quant.

Apesar do sucesso, o Momento 68 não passou despercebido pelo regime militar, que olhava com “olhos de raio-X e faro de doberman” o movimento contra cultural e seus desdobramentos no Brasil. O espetáculo não foi censurado, mas esteve sob vigilância permanente.

Foto: caetanoendetalle.blogspot.com/reprodução

Ascensão e exílio

Naquele ano, Gil chegara na crista da onda. Embora já tivesse lançado alguns compactos desde 1962 e feito shows importantes nos anos seguintes, foi em 1967 que ele decidiu se dedicar exclusivamente à música, largando seu emprego na empresa Gessy Lever. Naquele mesmo ano, seu primeiro LP, Louvação, foi lançado pela Philips no auge da era dos festivais, abrindo caminho para sua trajetória incomparável.

Em dezembro de 1968, porém, Gil foi preso junto com Caetano Veloso sob o pretexto de desrespeito ao hino e à bandeira do Brasil. Foram levados para o quartel do Exército no Rio de Janeiro e presos por dois meses.

Gil e Caetano no exílio. Foto: Reprodução

Em fevereiro de 1969, foram soltos, porém em regime de confinamento em Salvador. Nos dias 20 e 21 de julho, junto com Caetano, apresentou o show de despedida antes de embarcarem com suas esposas, as irmãs Sandra e Dedé Gadelha, para se fixarem em Londres, no bairro de Chelsea.

O show só foi permitido devido à necessidade de arrecadar fundos para as passagens e a estadia nos primeiros meses de exílio. Antes de seguir para o exílio, compôs Aquele abraço, que, segundo o historiador Jairo Severiano, é sua composição mais executada.

Agora, mais de cinco décadas depois, Gilberto Gil se prepara para sua despedida dos palcos com Tempo Rei.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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