Por Sandoval Matheus

Depois de estrear no Festival d’Automne de Paris, de fazer temporada em dois teatros da capital francesa e de vencer o Prêmio APCA de Dança de 2022, o espetáculo “Encantado”, da coreógrafa Lia Rodrigues, chega agora ao Festival de Curitiba.

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Serão duas apresentações, dentro da programação da Mostra Lucia Camargo, nos dias 01 e 02 de abril, às 20h30, no Teatro Guaíra.

A diretora Lia Rodrigues comanda uma das companhias de dança brasileira de maior prestígio no exterior, e já recebeu premiações como a medalha de Chevalier des Arts et Lettre, do governo francês, e o AFIELD Fellowship, pelo trabalho que desenvolve no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Ela colabora com a comunidade há mais de 20 anos e instalou ali, além de sua própria companhia, uma escola de dança e um centro de artes.

No palco de sua mais recente encenação, 11 dançarinos utilizam cerca de 140 cobertores estampados – adquiridos todos no Mercadão de Madureira – para representar entidades e seres animados, os “encantados” que dão título à obra.

Os encantados vivem entre o céu e a terra, habitam a natureza. Eles tem uma visão, estão muito próximos de nós e ao mesmo tempo muito perto do universo. Estão aí, como mágica”, definiu Lia Rodrigues em entrevista à agência de notícias francesa AFP. “E foi assim que tudo começou. Eu queria que de alguma forma esses encantados estivessem na minha vida, porque acho que sinto falta.”

Para compor a coreografia, criada durante a crise sanitária provocada pela epidemia global de covid-19, Lia Rodrigues se inspirou em cosmogonias de povos indígenas e africanos. O contexto em que se deram os ensaios, inclusive, se reflete no palco, com a peça dividida em três fases distintas e bem demarcadas.

Na primeira, configurada durante o período mais ferrenho de isolamento, os dançarinos aparecem afastados, fazendo seus bailados sozinhos. Na segunda, já com a primeira dose da vacina, trabalham em pequenos grupos. Por último, todos atuam juntos.

A trilha sonora e mixagem são de Alexandre Seabra, a partir de trechos de canções do povo guarani mbya tocadas em agosto e setembro de 2021, durante a Marcha dos Povos Indígenas em Brasília. O espetáculo de Lia Rodrigues é também uma censura às ações predatórias que ameaçam a vida na Terra e à destruição sistemática das florestas, dos rios e do mar.

Apesar disso, a crítica especializada apontou “Encantado” como uma obra mais amena da diretora, em contraste com suas duas criações anteriores, “Para que o Céu não Caia” (2016) e “Fúria” (2018).

Os artistas são livres, podem fazer o que querem, mas como cidadãos temos responsabilidades, principalmente num país tão desigual e racista como o Brasil”, ponderou Lia em entrevista à AFP. “Acho que a alegria pode ser uma forma de lutar, uma forma de resistir. Não a alegria por si mesma, mas por intermédio da alegria. Você pode resistir com esperança. Uma esperança de luta, uma alegria de luta. Eu acho que tudo isso, junto com os dançarinos, deu ao trabalho uma visão de alegria.

Acesse a programação do Festival de Curitiba.

 

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Jornalista, DJ e especialista em música brasileira

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