Por Sandro Moser
Quando estreou sua primeira peça, Pluft, o Fantasminha, com um grupo de teatro amador em Santos, no começo dos anos 1960, Ney Latorraca ficou encantado com a primeira (de muitas) críticas elogiosas sobre sua atuação em um jornal local.
Na mesma página do diário praieiro, ele leu a notícia de que, após longa temporada, o ator Paulo Autran deixaria vago seu papel no espetáculo “Depois da Queda”, que protagonizava ao lado do maior nome do teatro brasileiro de então, Maria Della Costa – atriz, diretora e produtora da peça.
+ Leia Também + Relembre as passagens de Ney Latorraca no Festival de Curitiba
Aos 16 anos, o jovem “Neyla” não teve dúvidas. Recortou a página do periódico e foi para São Paulo falar com a dama do teatro paulistano. Conseguiu penetrar no camarim e disse:
“_Oi, eu sou um grande ator de Santos e trouxe aqui o recorte do jornal para comprovar. Estou me colocando à disposição para substituir o Paulo Autran.” Ela, entre divertida e encantada com a petulância de Latorraca, agradeceu, mas disse que ele ainda era muito jovem para o papel.
Ney, contudo, não se deu por vencido. Antes de sair, escreveu com batom no espelho do camarim: “Ainda serei seu galã.” Anos depois, em 1973, os dois contracenaram numa memorável montagem de “Bodas de Sangue”, dirigida por Antunes Filho.
Uma placa na Sala Ney Latorraca

Essa foi apenas uma das muitas e saborosas histórias contadas pelo ator e escritor Edi Botelho, que recebeu na manhã deste sábado uma homenagem a Ney Latorraca, com quem foi casado desde 1995 até a morte do ator em dezembro de 2024.
Neste ano, a suíte reservada para as entrevistas coletivas do Festival, no Hotel Mabu, foi batizada de Sala de Imprensa Ney Latorraca e a decoração da arquiteta Jordana Fraga inclui uma galeria de fotos de grandes momentos da carreira do ator na televisão e, principalmente, no teatro.
A diretora do Festival Fabíula Passini entregou uma placa a Edi Botelho onde se lia:
“O 33º Festival de Curitiba presta homenagem a Ney Latorraca usando o seu nome num espaço dedicado à comunicação e à arte. Sua genialidade, irreverência e paixão pelos palcos marcaram para sempre o teatro brasileiro, deixando um legado que segue atravessando o tempo. Com profunda admiração e respeito do Festival de Curitiba”.
Emocionado, Edi Botelho agradeceu e garantiu que Ney teria “adorado a homenagem”. “Foi tão recente e a gente teve um casamento tão bonito de 30 [anos], numa parceria não só de vida, mas também no teatro. Tá difícil falar, mas vamos lá. Quem coloca o Brasil para cima são os seus artistas e ele adorava este reconhecimento. De onde ele estiver, está vendo a gente e felicíssimo.”
Histórias do Festival
Edi contou outras histórias da personalidade exuberante do ator, que gostava de chegar antes aos eventos para “pegar os fotógrafos descansados” e combinava com o público códigos para ser aplaudido em cena aberta.
+ Leia Também + Don Juan: a primeira montagem do festival de Curitiba no Guairão
Ele lembrou ainda de duas participações memoráveis do casal no Festival de Curitiba: a primeira em 1995 com a montagem de “Don Juan”, um texto de Otávio Frias Filho com direção de Gerald Thomas; e a outra, quase dez anos depois, na peça “Entredentes”, também com direção de Thomas, em que ambos faziam o papel de si mesmos e Ney começava cantando a valsa Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas.

“Ele [Gerald Thomas] é um grande e amado amigo e parceiro nosso na vida e do teatro. Foi a primeira pessoa que me ligou quando soube que o Ney faleceu.”
Presente na sala, o crítico de teatro Gilberto Bartolo lembrou de momentos em que conviveu com Ney Latorraca na histórica montagem de “Hair”, que tinha Sonia Braga, Riccardo Petraglia e um grande elenco nos anos 1970. “O Ney tinha um humor cínico inigualável. Se ele te elogiava, você podia desconfiar”, brincou.
Ney, o protetor das capivaras
A homenagem coincidiu com o dia do aniversário de Curitiba, a cidade que, devido à grande população dos roedores em seus parques, adotou nos últimos anos a figura mansa da capivara como uma espécie de símbolo informal.

Curiosamente, Edi lembrou da relação de Ney com as capivaras que gostavam de se refrescar na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio, local onde o casal costumava caminhar. “Ele andava ali quase todos os dias e ele ficava encantado com elas e ele era um defensor, pois tinha gente que jogava pedra e ele ficava puto. Ele era um amigo e defensor das capivaras.”