Quatro músicos com mais de 60 anos que integram o elenco da peça Bom Dia, Eternidade — apresentada nos dias 31 de março e 1º de abril na Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba — se preparam para lançar um álbum com 14 canções autorais e clássicos do samba.

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O álbum batizado de Iroko, é um desdobramento do espetáculo e celebra a trajetória musical dos artistas, chamado carinhosamente pela equipe da montagem de “nossos baluartes”.

O quarteto é composto por Jair Cacau, 82 anos, Luiz Alfredo Xavier, 85, Maria Inês, 74, e Roberto Mendes Barbosa, 62. Com formações e histórias diversas, o grupo foi escolhido e convidado pelo diretor musical Fernando Alabê a integrar o elenco da montagem dirigida por Luiz Fernando Marques, o Lubi.

No palco, eles vivem os personagens na fase idosa e participam da dramaturgia com intervenções musicais e cênicas que arrancaram aplausos em cena aberta nas duas sessões realizadas no Teatro da Reitoria, no centro de Curitiba.

A peça, que trata do reencontro de quatro irmãos após décadas separados, discute o direito ao envelhecimento da população negra no Brasil.

A produção do álbum será feita por Alabê que anunciou a novidade em primeira mão durante entrevista coletiva realizada na Sala Ney Latorraca, no Hotel Mabu, sede do Festival de Curitiba

“Será um álbum com 14 canções, não faixas ou singles. Canções produzidas com arranjos de orquestra, da forma que a gente quase não vê mais hoje”, explicou. “A gravação respeita a história musical desses artistas e é uma homenagem à trajetória de vida e arte dessas figuras extraordinárias.”

Expulso da banda do Tim Maia

Baterista Jair Cacau, quase foi expulso da banda de Tim Mais. Foto: Humberto Araújo

Jair Cacau é crooner e baterista desde os anos 1960. Tocou no lendário Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, e tocou com nomes como Jerry Adriani e o maestro Herlon Chaves. Durante a coletiva, arrancou gargalhadas ao relembrar a época em que integrou a banda de Tim Maia.

“O Gordo era chato pra caramba, mas valeu a pena. Eu tentava usar toda a técnica, e ele disse que técnica só funciona com coração. Comecei a tocar assim e ganhei o homem”, contou. “Quase fui expulso uma vez porque diziam que eu era da polícia. Eu não fumava, não cheirava… Aí ele falou: ‘Não é que você seja ruim, é que você não se mistura’. Então passei a dar os meus tapas também. Hoje, com meus pequenos 82 aninhos, ainda tenho muita coisa pra fazer.”

Luiz Alfredo Xavier: parceiro de Zé Keti e Jamelão. Foto: Humberto Araújo

Luiz Alfredo Xavier, compositor e instrumentista, foi parceiro de Jamelão, Johnny Alf e Zé Kéti. Filho de alfaiate, seguiu a profissão do pai até descobrir o amor pela música. “Naquela época, quem não tinha profissão era vagabundo. Mas aos 20 anos, já sonhava com a música”, lembra. “Ganhei um contrabaixo e fui estudar. Passei a vida em editoras musicais, lidando com partituras, ouvindo gravações e preparando material para publicação nas editoras”, disse.

Xavier destaca que a rotina nos bastidores lhe deu uma compreensão ampla da música. “Descobri que a gente não apenas copiava os arranjos, mas adaptava tudo o que os maestros mudavam em estúdio. Foi um aprendizado valioso.”

Sonhos antigos, voz renovada

Maria Inês: a cantora que foi cabelereira. Foto: Humberto Araújo

Maria Inês teve sua carreira artística interrompida ainda jovem. Filha de pais conservadores, teve a vontade de cantar barrada pelo pai. “Ele dizia que cantora era mulher sem juízo. Trabalhei como cabeleireira por 50 anos, cuidando da casa e da família. Mas o sonho de cantar nunca morreu”, contou.

Foi só após a aposentadoria que reencontrou a arte. “Aos 73 anos, conheci esse grupo maravilhoso que acreditou em mim. Hoje estou nos palcos e gravando um disco. É a realização de um sonho da infância.”

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Roberto Mendes Barbosa é maestro, regente e compositor. Conheceu a música aos cinco anos, numa igreja metodista, mas cresceu em uma família ligada ao candomblé. “Nunca separei a música da minha vida. Sempre foi tudo junto.”

O regente Roberto Mendes Barbosa. Foto: Humberto Araújo

Estudou piano e regência e acumulou décadas de trabalho em grupos vocais e projetos musicais em São Paulo. “Um dia me ligaram e  me convidaram para o espetáculo A gente gosta de nascer sempre”, disse.

O álbum Iroko leva o nome da árvore sagrada que, nas religiões de matriz africana, representa sabedoria e conexão entre mundos. “É uma homenagem à ancestralidade, à memória e à permanência dos nossos saberes”, diz Alabê.

O repertório reúne composições autorais e clássicos do samba. Uma das faixas traz uma nova versão de “Nascida pra Sonhar e Cantar”, de Dona Ivone Lara. Iroko será lançado no segundo semestre de 2025.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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