A biografia de um músico é boa quando suas páginas formam um “espelho de três faces” que revela as dimensões fundamentais do biografado: o personagem cultural, o artista e a pessoa. Por sorte, o fenômeno ótico está presente em DefinitIVO,, a esperada biografia da lenda da música curitibana, Ivo Rodrigues Jr., lançada na manhã do último domingo (13) no Memorial de Curitiba.
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Escrito pelo jornalista e historiador Luiz Felipe Fagundes e por Suka Rodrigues, companheira de vida e música de Ivo, o projeto começou a ser gestado em 2019, foi atropelado pela pandemia em 2020, e, por fim, veio à luz com pompa e circunstância através de um projeto do Programa de apoio e incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba.
Na festa do lançamento, o baterista e professor de música Ivan Rodrigues, filho de Ivo, e o líder da banda Relespública, Fabio Elias, receberam centenas de fãs, amigos e ex-parceiros do eterno líder do Blindagem cantando suas melhores canções.
“Sem o Ivo na minha vida, eu seria outra pessoa, outro artista. Ele foi o primeiro cara que eu vi ao vivo cantando rock com uma banda atrás, pelo basculante do bar. Eu era criança e vi aquele bando de cabeludo bebendo, fumando e cantando, levando uma vida que eu nem sabia que existia. E desde então eu decidi que era isso que eu queria fazer da minha vida”, disse Fabio.
Ivan disse que o grande mérito do livro é a pesquisa documental muito bem-feita, que desfez alguns mitos e confirmou outros sobre as diferentes fases da carreira do pai. Ele destacou o alívio de poder trazer à luz um projeto que a família acalanta desde a morte de Ivo, em 2010, e se disse surpreso com a resposta das pessoas no lançamento.
“O evento nem foi tão divulgado, mas, quando se trata de um artista popular como era o meu pai, acontece esse tipo de mágica que junta tanta gente querida. Esperava que fosse bonito, mas não tanto”, disse.
História cultural de Curitiba
Na narrativa costurada por Suka e Fagundes, a história da formação do artista Ivo Rodrigues, em primeiro plano, é usada para contar a história da versão curitibana do movimento de cultura jovem que tomou o mundo ocidental depois da Segunda Guerra — principalmente com a disseminação do rock e de suas vertentes.
Ivo teve participação “definitiva” nesse processo como astro mirim do rádio, cantando música romântica italiana — que era a música jovem internacional antes do aparecimento dos Beatles — e, depois, sendo uma das caras do iê-iê-iê local.
Um dos pontos altos do livro é a descrição minuciosa desse cenário em Curitiba, onde Ivo venceu um disputado concurso de artistas jovens e, como prêmio, ganhou seu próprio programa de tevê — no Canal 12.
Neste programa, ele cantava músicas românticas italianas e tinha seu próprio fã-clube.
“Todo mundo pensa no Ivo porra-louca, cantando rock’n’roll, mas o Ivo começou ainda nos anos 1950. É o resgate de um tempo que nem todo mundo conhece”, explica o autor Luiz Felipe Fagundes. “Tive a sorte de ter sido acolhido pela família, ainda que isso signifique que nem tudo o que aconteceu na vida do Ivo tenha vindo para o livro. Mas acho que a gente conseguiu mostrar a trajetória dele dentro da cultura de Curitiba, passando por diversas manifestações culturais por 50 anos. Falamos sobre as questões pessoais dele, as manias, porque ele era como era. Tá tudo ali, de uma forma sensível e equilibrada, e com o foco total na carreira musical”, completou.
A Chave
No final dos anos 1960, o bom-mocismo dos tempos do iê-iê-iê deu lugar ao movimento contracultural cujo epicentro foi a Casa Branca, no bairro Mercês — uma república libertária onde um grupo de artistas de várias áreas se uniu em torno dos ensaios do grupo A Chave.
Sexo, drogas, poesia, tecnologia, utopia: era o caldo d’A Chave que, em sua formação mais consolidada, tinha como baterista o fotógrafo Orlando Azevedo, o baixista Carlão Gaertner e os grandes parceiros Paulo Teixeira e Ivo Rodrigues nas guitarras e vocais.
A Chave teve projetos ousados, chegou a se transferir para São Paulo — tempo em que Ivo viveu em um quartinho numa igreja, algo muito duro para ele, que, a despeito da fama de doidão que teria no futuro, tinha sido até então tratado com carinho e cuidado pela mãe, dona Adélia.
Apesar de ser a biografia autorizada de Ivo, o livro conta episódios difíceis, como a prisão do cantor por posse de maconha em plena Rua Marechal Deodoro, e outras aventuras amorosas e desventuras etílicas. O livro também joga luz sobre as experiências de Ivo no teatro e cinema em épocas diferentes.
Para a DJ Ângela Rodrigues, filha de Ivo e Suka, a biografia é mais que um reencontro, pois lhe apresentou facetas do pai que ela não conhecia. “Foi muito engraçado, porque, lendo a biografia, fui conhecendo mais meu pai, aspectos da personalidade dele que eu não sabia que existiram”, disse
O fato de ser um projeto da esposa e parceira Suka faz com que o livro seja lindamente ilustrado com uma centena de fotos e documentos pessoais, que o tornam um documento riquíssimo, direto ao miolo de fotos coloridas.
Blindagem
Na virada dos anos 1970 para os 80, num tempo de abertura política e desbunde, a parceria de Ivo com Paulo Leminski foi o alicerce para a fundação do Blindagem, a banda que representou o Paraná na cena do rock brasileiro dos anos 1980.
Depois de lançar um álbum de estreia clássico, que resume todo um tempo cultural paranaense, em 1985 — justamente no dia em que o Coritiba, do coração de Ivo, se sagrou campeão brasileiro —, a banda mudou para o Rio, em um apartamento no bairro Humaitá. A banda chegou a assinar contrato com a Polygram, mas as coisas não saíram como o desejado, apesar de alguns hits de projeção nacional.
De volta a Curitiba, Ivo se tornou um personagem contracultural amado pela cidade — principalmente pela ala dos freaks, montanhistas, boêmios e doidões que havia na cidade. O músico Paulo Teixeira, parceiro de Ivo n’A Chave e no Blindagem, conta que o segredo de ter trabalhado com Ivo por 40 anos era a capacidade de um provocar o melhor do outro.
“A gente tinha uma afinidade muito grande e na forma de como a gente se portava no palco, sempre um completando o espaço do outro. Tinha muita harmonia entre nós dois e, por isso, a gente conseguiu fazer tanta coisa juntos. Ele foi meu incentivador para nunca largar a música, um irmão da vida inteira.”
Com o Blindagem ou sozinho com seu violão nos bares da noite, Ivo se tornou uma lenda: o artista mais importante de sua geração em Curitiba. Virou nome de teatro, e seu jazigo, no Cemitério Municipal de Curitiba, é um ponto de encontro quando morre algum artista ou poeta da cidade. Esta biografia é uma pedra fundamental na alta montanha do legado do velho homem do folk.
Serviço:
O livro DefinitIVO está à venda no Mercado Livre e pelo Instagram @IvoRodriguesJr.Oficial.