É célebre a frase de Sigmund Freud (1856-1939), segundo a qual, após analisar as obras de William Shakespeare (1564-1616), identificou que nelas já estavam presentes todos os temas centrais da psicanálise. Contudo, para muitos estudiosos e admiradores da obra do dramaturgo inglês, essa relação vai ainda além: toda a complexidade da inteligência e da tragédia humana pode ser encontrada nos folios de seus sonetos e, sobretudo, nas suas peças de teatro.
O crítico literário Harold Bloom defendia que o universo shakespeareano, quando examinado sob o prisma do Direito, revela-se como “um continente de muitas almas”, capaz de desvendar as complexas estruturas que permeiam o papel da lei na busca por uma sociedade justa.
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No Brasil, um dos principais defensores e difusores dessa perspectiva é o advogado e escritor José Roberto de Castro Neves. Ele foi eleito, nesta quinta-feira (29), para ocupar a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo Marcos Vilaça, falecido em março deste ano. A escolha contou com 27 votos a favor de Castro Neves, superando os sete votos recebidos pelo escritor e editor Rodrigo Lacerda.
Professor de Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Castro Neves é autor de 18 livros sobre história, literatura e direito, com cerca de 200 mil exemplares vendidos. Entre suas obras, destacam-se Como os advogados salvaram o mundo, Medida por Medida — O Direito em Shakespeare, Os grandes julgamentos da História e Ozymandias, em que explora, de forma criativa, a interseção entre o pensamento jurídico, a literatura e, em especial, o universo dramático de Shakespeare.
Na cerimônia de eleição, o acadêmico Carlos Nejar destacou a importância da escolha: “Escritor, jurista e, sobretudo, intérprete de Shakespeare. Estudioso da relação entre literatura e direito e autor de muitos livros. Penso que ele vai somar nesta Casa, trabalhando em prol da nossa cultura, como tem feito de maneira solitária e solidária.”
Autor de Medida por Medida — O Direito em Shakespeare (GZ, 2013), Castro Neves argumenta que as peças do dramaturgo também funcionam como um espelho de nossa própria natureza pessoal e social. Há muitos anos atrás, conversei com ele sobre isso e ele me explicou que “Shakespeare é um grande leitor. Não somos nós que o lemos e sim ele que nos lê.
O vínculo entre Direito e dramaturgia shakespeareana, segundo Castro Neves, não se restringe ao campo teórico. Em aproximadamente 20 das cerca de 90 peças do autor há cenas de julgamento, que, além de recurso dramático, aproximavam as encenações do público — composto, em parte, por profissionais e estudantes de Direito, já que algumas apresentações ocorreram em escolas de advocacia da época.
Para o novo imortal, nas obras de Shakespeare, há discussões sobre Teoria do Estado, organização política, Direito Civil, contratos, sucessões e Direito Penal. “São retratados com precisão soberanos, juízes e advogados”, observa, destacando a atualidade e profundidade dos temas abordados pelo dramaturgo quatrocentista.