Antes do ensaio da peça, uma atriz paraense tenta abrir um pote de comida. O gesto, aparentemente banal, revela frustração, saudade e raiva. É a partir desse momento íntimo que se desdobra Medeia Carimbó, espetáculo que mescla tragédia clássica, dança popular e humor ácido, em cartaz até 17 de agosto no Teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro.

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Medeia Carimbó transforma tragédia em dança. Foto: Guará Siqueira

Com dramaturgia de Ana Schaefer e direção geral de Cátia Costa, a montagem reúne cinco atrizes em cena para investigar o deslocamento de uma artista do Norte no eixo Rio-São Paulo. Inspirada no mito de Medeia, de Eurípides, a peça opta por uma abordagem contemporânea, feminista e bem-humorada, na qual a vingança é substituída por dança.

“Não lidamos diretamente com a história da Medeia clássica, mas com uma dramaturgia que discute as dificuldades de uma atriz nortista no Rio”, explica Schaefer.

O carimbó — ritmo tradicional do Pará — aparece como força motora da encenação. Mais do que trilha, ele estrutura a dramaturgia e a coreografia como afirmação cultural e forma de sobrevivência simbólica. As músicas são autorais, compostas por Aline Castro, também responsável pela direção musical. A cenografia, os figurinos e a luz assinados por Lara Aline propõem uma leitura plástica que evoca as saias rodadas, o sangue simbólico e o tal pote, elemento central da narrativa.

Tragédia que dança

Peça mistura tragédia grega e carimbó. Foto: Guará Siqueira

No palco, há um coro de vizinhas que observa a protagonista em sua cozinha. Elas comentam, criticam e simbolizam o olhar do senso comum, carregado de preconceito contra mulheres migrantes e artistas. Aos poucos, no entanto, essas mesmas vizinhas são transformadas pela potência da protagonista, que não mata ninguém — como na tragédia original —, mas dança para existir.

“Essa Medeia não mata os filhos nem se vinga do marido. Ela dança. E é nessa dança que encontra a saída para as dores que carrega”, afirma a autora.

A ideia do espetáculo surgiu em 2023, a partir da cena curta A queda trágica de uma atriz que não vai fazer Medeia, apresentada na mostra feminista Ocupação Ovárias. A partir da seleção para a “Categoria Experimenta”, Ana Schaefer conheceu as atrizes Bárbara Vento e Ana Rosa, que introduziram o carimbó como elemento cênico.

A montagem amadureceu e foi contemplada pelo edital Pró-Carioca Linguagens, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio, com equipe inteiramente formada por mulheres. Completam o elenco Luiza Manhães e Lívia Prado. A interlocução dramatúrgica é de Natasha Corbelino.

Medeia Carimbó

Quando: Sextas, sábados e domingos, até 17 de agosto, às 19h30
Onde: Teatro Cacilda Becker – Rua do Catete, 338, Catete, Rio de Janeiro
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada) no Sympla 

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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