Por Douglas Corrêa, da Agência Brasil

A despedida de um dos maiores sambistas brasileiros levou centenas de pessoas à quadra da escola de samba Império Serrano na noite deste sábado (9). Familiares, amigos e fãs seguiram a madrugada em festa e homenagens para cantor e compositor Arlindo Cruz.

Os portões da escola foram abertos às 18h. No início do velório, ao som de atabaques, foi realizada uma cerimônia para os orixás, conduzida pelo terreiro Ilê Osè Yobá, na antiga Rio-São Paulo, em Nova Iguaçu, frequentado pelo artista, filho de Xangô.

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Em seguida, começou uma roda de samba com os sucessos de Arlindo Cruz e a distribuição de chopp na quadra. A celebração ocorreu como um tradicional gurufim, ritual de origem africana e que se manifesta em velórios festivos, marcados pela música, dança, comida e bebida.

Arlindinho Neto, filho de Arlindo Cruz, cantou a música “O show tem que continuar”, sucesso do grupo Fundo de Quintal, composição do pai, com Sombrinha e Luiz Carlos da Vila, todos integrantes à época do Grupo Fundo de Quintal.

“O ensinamento que ele me deu é de luta, perseverança e de ser um sambista vencedor. É isso que eu vou fazer: seguir lutando e honrando o nome dele”, disse Arlindinho.

 

Arlindinho, filho de Arlindo Cruz, canta em velório no Império Serrado. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
O coreógrafo e passista Carlinhos de Jesus, que vem atravessando um problema de saúde, mas mesmo em cadeira de rodas fez questão de homenagear o amigo.

“Perdi um amigo e um irmão. Vai a matéria, mas a obra dele, a história dele, a lembrança dele vai ficar conosco. Ligou o rádio, vai ter uma música dele. O Arlindo está comigo desde antes do Cacique de Ramos. Hoje ele se torna o maior poeta do samba. Uma personalidade incrível que retratou a história de cada um de nós, que amamos, que tivemos dor de cotovelo, que fomos felizes no amor, que fomos tristes ali. Fala de um lugar que é Madureira, não propriamente de morada, mas retrata o espaço e, a gente tem a presença dele nas músicas e na poesia”.

O cantor e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz disse que “Arlindo é um gênio e conseguiu fazer esse samba tradicional e que a massa inteira que curtia um outro tipo de música pudesse curtir o Arlindo.O coração mais generoso da música brasileira era o Arlindo. Parceiro, amigo e uma das pessoas mais generosas que eu conheci na face da Terra”.

Babi e Flora Cruz, esposa e filha do sambista Arlindo Cruz, na quadra da escola de Samba Império Serrano. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasi
Gênio

A vice-presidente do Império Serrano, Paula Maria, contou que Arlindo Cruz era seu melhor amigo, compadre e patrão.

“Eu sou muito grata a Deus por ter tido a oportunidade por conviver e ver o gênio. Ele gravou no terreno da minha casa a canção Estrela de Madureira. Ele me falou que tinha uma música, que seria a virada de chave, que até então o Arlindo era o grande compositor, mas e que tinha a intuição de que com aquela música ele ficaria conhecido como cantor e foi o que aconteceu. A partir dali ele começou a despontar também como cantor”, reconheceu Paula.

Na quadra da escola estava também o imperiano Wagner Francisco, 64 anos, que conhece bem a história da escola.

“Eu pensei que quando perdemos o cantor Roberto Ribeiro, não teríamos ninguém para substitui-lo. Mas aí apareceu o Arlindo Cruz, que com sua genialidade, sua voz rouca e cantando baixo, mas que todo mundo entendia a sua música. Ele ganhou mais de dez sambas-enredo pelo Império Serrano. Arlindo Cruz estará sempre presente em nossa mente, como também Roberto Ribeiro e Dona Yvone Lara”.

As homenagens a Arlindo Cruz na quadra do Império Serrano terminam às 10h da manhã deste domingo (10), quando haverá uma despedida íntima com a participação de familiares e amigos. Em seguida, o corpo do artista seguirá para o cemitério Jardim da Saudade, na Sulacap, onde às 11h, haverá o sepultamento.

 

Familiares, amigos e fãs participam do velório do sambista Arlindo Cruz, na quadra da escola de Samba Império Serrano. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Gurufim

A família pediu que as pessoas que fossem ao velório usassem roupas claras, principalmente de cor branca. O velório foi um gurufim, ritual de origem africana e que se manifesta em velórios festivos, marcados pela música, dança, comida e bebida. O objetivo é celebrar a vida de quem partiu e amenizar a dor da perda, transformando o luto em homenagem e alegria. A bateria da escola também se apresentará durante o velório.

A palavra gurufim tem origem no idioma quimbundo, falado em Angola, e significa adeus ou despedida. Nas culturas de matrizes afro-brasileiros, especialmente no candomblé e na umbanda, o gurufim assume um significado mais profundo de ritual, envolvendo o encaminhamento da alma.

Nos lares brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro, os velórios antigos eram velados em casa, no centro da sala. O corpo só ia para o cemitério na hora do enterro. Então, essa cerimônia aproximava todos os moradores da rua e do entorno das comunidades. As pessoas ficavam conversando, tomando café, comendo e bebendo. Durante toda a noite e madrugada, se revezando no velório.

O enterro está programado para este domingo (10) às 11h, no cemitério Jardim da Saudade, na Sulacap, zona oeste da cidade. Antes de deixar a quadra, haverá uma cerimônia restrita, apenas para familiares e amigos. O artista morreu nesta sexta-feira (8), em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Desde 2017, ele enfrentava sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC).

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