Na televisão, ele é só um borrão no fundo da tela. Um vulto que acena, faz careta, e desaparece antes que alguém saiba de quem se trata. Mas em Papagaios, filme que estreia mundialmente no 53º Festival de Cinema de Gramado, Tunico — vivido por Gero Camilo — ganha trono, além de foco e trilha sonora. Não é um trono qualquer. Ele é o rei dos papagaios de pirata.
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Tunico há décadas é presença garantida em velórios, tragédias urbanas, entradas ao vivo em telejornais — sempre estrategicamente posicionado entre a repórter e o caos. Um stalker das luzes e da glória alheia. Papagaios, dirigido por Douglas Soares, é uma mistura de sátira social, thriller e comédia de riso travado. Um desconforto que ri da gente junto com a gente.

No filme, Tunico encontra Beto (Ruan Aguiar), jovem silencioso, uma sombra que aprende rápido demais a arte de invadir a imagem dos outros. E o que começa como uma relação entre mestre e discípulo evolui para algo mais turvo — um jogo de espelhos entre obsessão, solidão e carência que deixa a pergunta no ar: o que estamos dispostos a fazer para aparecer?
A TV como altar
“Tunico é um espelho incômodo”, diz Soares, também roteirista da produção. “A gente vive num país com mais de 70 milhões de televisores ligados todos os dias. E, de certa forma, todo mundo já quis aparecer um pouco mais na história — mesmo que fosse na história dos outros.”

O longa, seu primeiro na ficção depois de mais de 40 prêmios no circuito de documentários, mistura realidade e delírio com precisão clínica. Figuras conhecidas como Claudete Troiano, Babi Xavier, Eduardo Grillo e Léo Jaime interpretam a si mesmas, criando uma camada extra de estranhamento.
É como se o filme invadisse a TV que a gente vê — e, em troca, deixasse a gente espiar de volta para dentro da tela.“Quando decidimos falar sobre televisão, era essencial trazer nomes reais. Porque, no fundo, a televisão é parte da nossa memória afetiva coletiva. O papagaio de pirata só existe porque a câmera existe”, comenta o diretor.
Tragicomédia
Um papel a feição para Gero Camilo, ator de 25 anos de carreira que exprime a tragicomédia do homem que quer ser visto a qualquer custo — mas que nunca é olhado de verdade. “Trabalhar com Gero sempre foi um sonho. A construção de Tunico foi coletiva, intensa, e ele trouxe uma humanidade que transforma o que poderia ser caricatura em figura universal”, diz Soares.

Já Ruan Aguiar, destaque recente da televisão, mergulha em um personagem quase mudo, onde cada gesto fala mais que qualquer roteiro. “O Beto precisa do silêncio. Ele não imita Tunico, ele observa. E isso cria um clima de tensão que vai crescendo até o fim”, completa o cineasta.
Estreia em Gramado
A estreia de Papagaios acontece em 17 de agosto, às 18h, no Palácio dos Festivais, em Gramado, dentro da Mostra Competitiva de Longas-Metragens Brasileiros. Ao lado de produções como A Natureza das Coisas Invisíveis (DF), Cinco Tipos de Medo (MS) e Querido Mundo (RJ), o filme concorre em 12 categorias — incluindo Melhor Filme, Direção e Ator. O vencedor leva, além do Kikito, prêmios em dinheiro que chegam a R$40 mil.
No dia seguinte, 18 de agosto, o público poderá participar de um bate-papo com o diretor e os atores no centro de Gramado. Uma reprise do filme também ocorre no Teatro Elisabeth Rosenfeld.