Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Quem assistiu a série Vale o Escrito, lançada em 2023, provavelmente ficou com uma pulga atrás da orelha sobre o jogo do bicho e suas peculiaridades. Como vivem essas pessoas que silenciosamente decidem o rumo de bairros, pessoas e cidades? Os Enforcados, de Fernando Coimbra, responde essa pergunta, mas com requintes de comicidade ao longo de toda a obra que chega aos cinemas nesta quinta (14).
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O filme conta a história de Valério — interpretado por Irandhir Santos —, filho de um bicheiro que foi uma das figuras mais importantes do Rio de Janeiro em sua época, mas que teve uma morte misteriosa.
Regina, esposa de Valério, é deixada de lado dos negócios da família. Enquanto está em tela, Leandra Leal rouba para si todos os holofotes. A personagem é tragicômica por natureza e na medida certa, o suficiente para acreditarmos que realmente possa haver uma “primeira-dama do Bicho” com essas características no Rio de Janeiro.
Em 2017, o roteiro de Fernando Coimbra foi premiado no Festival de Sundance, e não é por acaso. Apesar de ser naturalmente sombria, por abordar o submundo do crime carioca, a história consegue trazer uma leveza ímpar ao longo de toda sua duração. É impossível saber o próximo passo de Valério e Regina, que têm desenvolvimentos contrários ao longo da trama.
No início, Regina é uma mulher de mão firme, capaz de tudo para atingir seus objetivos. Mas o medo do crime a afasta dessa persona. Valério, por sua vez, parece incapaz de prosperar nesse mundo. Diferente do pai e do tio, deseja largar a “vida louca” a todo momento. Ainda assim, seja por orgulho, seja por poder, ele se transforma em uma figura manipuladora e violenta — uma espécie de Michael Corleone fluminense.
A montagem de Coimbra é simples, mas dá espaço para os atores brilharem. O destaque vai para a casa da família, quase um personagem, que se transforma junto dos protagonistas. A lenta e turbulenta reforma da residência serve como metáfora de toda a narrativa, e o diretor a acompanha para ressaltar essa evolução ao longo do filme.
Ao longo de sua carreira, Coimbra ficou conhecido pela maneira como retrata a violência, em um estilo quase tarantinesco. Em Os Enforcados, isto está lá, mas com menor intensidade. Os assassinatos retratados na obra, apesar de espetacularizados, também geram uma reflexão sobre o estado mental daqueles personagens, e até onde eles são capazes de ir para alcançar seus objetivos.
Algo que faz falta ao longo do filme é o Rio de Janeiro. A história se passa lá, mas se não fosse falado, jamais saberíamos. As filmagens em uma escola de samba acabam por ser os momentos mais “cariocas” da obra. Por abordar o jogo do bicho, seria ainda mais interessante se explorasse a urbanidade da cidade.

Em meio a uma onda de séries e filmes que exploram a cultura carioca, Os Enforcados surge como novidade. Não pela temática em si, mas pela forma como Fernando Coimbra conduz a narrativa. Além do jogo do bicho, a obra se revela uma crítica social sutil, porém de grande relevância.
No fundo, Os Enforcados é uma divertida jornada sobre até onde um homem é capaz de ir para lidar com seu vazio existencial, traumas e medos. Embora ambientada em um contexto específico, a história tem um alcance universal. Se você quer rir, refletir e sentir tensão ao mesmo tempo, vá ao cinema conferir o novo filme de Coimbra.