Por Gabriel Costa, especial para o Fringe
Em 2024, O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, foi alvo de censura em escolas do Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Autoridades estaduais alegaram que as cenas de sexo presentes no romance eram impróprias para menores.
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Publicado em 2020, o livro recebeu o Prêmio Jabuti de “Melhor Romance Literário” em 2021 e aborda, de forma contundente, questões raciais como o racismo estrutural e a violência policial.
Durante a 44ª edição da Semana Literária Sesc PR e Feira do Livro, que se encerra neste domingo (17), Tenório participou de uma conversa mediada por Célio Jamaica, em que falou sobre sua obra, trajetória pessoal e o atual cenário da literatura brasileira.
Reação à censura
O autor relatou como recebeu a notícia da censura. Num primeiro momento, reagiu com indiferença, mas logo percebeu a dimensão da repercussão nas redes sociais e em sua vida pessoal. A mobilização de estudantes, professores e pais em defesa do romance evidenciou, segundo ele, que a medida representava uma violência contra o direito de leitura e de acesso à literatura.
Tenório fez ainda um resgate histórico da censura no Brasil, lembrando desde as queimas de livros nos anos 1930, passando pelas proibições impostas durante a ditadura militar, até restrições nos anos 1990 e 2000, chegando ao contexto contemporâneo.
Ele destacou que, mesmo antes da censura a O Avesso da Pele, já vinha sofrendo ataques pessoais, como ameaças de morte, insultos e perseguições em redes sociais e veículos de imprensa.
“O Brasil sempre teve censura de livros. Na década de 1930, tivemos a queima de obras de Jorge Amado e de José Lins do Rego. Quando chegamos à década de 1970, uma série de autores foi censurada, entre eles Rubem Fonseca, que ficou 20 anos sem poder ser publicado no Brasil. Na década de 1990, também houve escritores censurados, mas sem as redes sociais para amplificar o debate. E, nos anos 2000, ainda encontramos censuras, até chegar a O Avesso da Pele. Por outro lado, isso acabou também amplificando uma resistência, uma resistência a favor do livro e do direito à leitura. A violência está em impedir que as pessoas tenham acesso à obra e que estudantes possam lê-la”, afirmou.
Processo criativo
Em um momento mais descontraído da conversa, Tenório compartilhou detalhes sobre seu processo criativo. Durante a primeira escrita, costuma trabalhar ao som de músicas instrumentais variadas; já na fase de reescrita, prefere o silêncio absoluto e a concentração total.
Quanto ao estilo pessoal, afirmou não ser um escritor boêmio: “Não sou aquele escritor que fuma, bebe, chega bêbado e vai para a máquina de escrever”, disse, ressaltando que segue uma rotina mais disciplinada.
A leitura, segundo ele, é a base de todo o trabalho: mais importante até do que escrever, pois alimenta constantemente a criação literária. Para Tenório, a escrita não se resume à execução de uma ideia, mas é uma experiência em si mesma — um mergulho em um estado poético e literário que exige preparo e dedicação.
“Quem escreve narrativa longa precisa gostar desse processo. Porque escrever é uma experiência. Parece uma coisa óbvia, mas escrever é uma experiência, não é um projeto”, concluiu.