Na tarde de terça-feira (19), o Teatro de Contêiner Mungunzá, no centro de São Paulo, foi alvo de uma reintegração de posse violenta conduzida pela Guarda Civil Metropolitana (GCM). A ação, marcada por denúncias de truculência e uso de spray de pimenta, retirou à força artistas e coletivos que atuam no espaço desde 2017. As informações são do jornal Brasil de Fato.
Em nota, o Ministério da Cultura e a Funarte manifestam repúdio à ação policial o para retirar artistas do Teatro de Contêiner e membros da ONG Tem Sentimento do local. “Lamentamos que o uso da força tenha substituído a continuidade do diálogo em prol da arte e da cultura, que cumprem papel relevante junto à comunidade do centro da capital paulista”, disse o comunicado que sugere “aumento de prazo” e “negociação pacífica” entre as partes.
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Imagens publicadas nas redes sociais do teatro mostraram agentes da GCM entrando no prédio e retirando artistas à força. Uma das trabalhadoras da companhia questionou a abordagem: “Como vocês se sujeitam a um tabalho como esse?”. Segundo relatos, os agentes quebraram paredes para entrar no edifício. Do lado de fora, manifestantes gritavam “covardes” em protesto.
Ação truculenta e resistência
A coordenadora do coletivo Tem Sentimento, Carmen Lopes, relatou que a prefeitura havia anunciado que usaria o prédio, o que levou os ocupantes a retirarem pertences. “De repente começou o tumulto, usaram spray de pimenta. Primeiro veio o pessoal da prefeitura e depois a GCM”, contou.
O ator e produtor Marcos Felipe, fundador da Cia. Mungunzá, afirmou em vídeo que a reintegração teve motivação política: “Querem dizimar o Teatro de Contêiner Mungunzá porque amanhã vai ter um evento aqui, com governador e prefeito, e querem mostrar que a Cracolândia acabou”.
O ator Leo Akio, também fundador da Cia. Mungunzá, destacou que havia uma disputa judicial em curso e que o grupo tentava negociar mais prazo. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, chegou a enviar ofício ao prefeito Ricardo Nunes pedindo 120 a 180 dias adicionais para permanência.
“Protocolamos pedido de dilação de prazo hoje, meio-dia. Às quatro horas, já havia oficial indeferindo. Tudo estava organizado para atropelar nossa resistência”, relatou Akio.
Especulaçãoe novos projetos
O terreno municipal onde funciona o teatro está no perímetro da antiga Cracolândia. Desde maio, a prefeitura notificou os artistas para desocupar a área, alegando que será utilizada para um novo programa habitacional. O local, no número 43 da Rua dos Gusmões, abrigou cerca de quatro mil atividades culturais em nove anos, tornando-se polo artístico, social e urbano.
Em nota ao Brasil de Fato, a GCM alegou que a operação ocorreu para desocupar um imóvel interditado ao lado do teatro, invadido por meio de acesso clandestino. Disse ainda que a intervenção foi necessária diante da recusa de desocupação. O prédio permanece trancado e vigiado.
O Teatro de Contêiner Mungunzá
Criado em 2016 pela Companhia Mungunzá de Teatro, o espaço foi erguido em um terreno público abandonado no bairro da Luz. Estruturado com 11 contêineres marítimos, tornou-se referência em arquitetura sustentável e integração com o entorno. Desde então, ampliou sua atuação para além do palco, abrigando projetos culturais, sociais e de economia criativa voltados a populações vulneráveis.
O teatro foi indicado e premiado em diversas ocasiões. Em 2017, venceu o Prêmio APCA na categoria “Especial” pela ocupação de terreno abandonado. Recebeu indicações ao Prêmio Shell de Teatro e ao Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Durante a pandemia, desenvolveu o projeto #MungunzáDigital, que também foi lembrado pela crítica. Em 2025, foi novamente indicado ao Prêmio Shell, na categoria “Energia que vem da gente”, por ações de acolhimento à população em situação de vulnerabilidade.
O trabalho da Cia. Mungunzá, fundada em 2007, é reconhecido pela pesquisa estética e pela atuação política. O grupo articula teatro, urbanismo, assistência social e direitos humanos, consolidando o Teatro de Contêiner como espaço de transformação no coração da cidade.