Armazém Docas André Rebouças, é assim que passa a ser chamado o antigo edifício Docas Dom Pedro II, localizado na Pequena África, na região central do Rio de Janeiro. A mudança homenageia o engenheiro negro e abolicionista responsável por grandes projetos de engenharia no país, entre eles a Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, a reforma dos portos de Santos e do Rio de Janeiro e a construção das Docas D. Pedro II.
A decisão foi anunciada nessa terça-feira (16), durante a reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O nome será atualizado no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, e no Livro do Tombo Histórico. Rebouças foi um defensor ativo da abolição da escravatura, propondo medidas sociais como a educação de ex-escravos e a participação nos lucros.
O edifício Docas Dom Pedro II foi erguido sem o uso de mão de obra escravizada. A edificação é um marco da engenharia nacional e símbolo da resistência negra. O prédio foi tombado pelo Iphan em 2016 e, a partir de agora, passa a homenagear André Rebouças em reconhecimento à contribuição negra na história do Brasil.
O prédio integra a região atualmente conhecida como Pequena África, roteiro na região portuária do Rio, com lugares históricos que marcam a Diáspora Africana no Brasil. O local é espaço simbólico para a comunidade afrodescendente que, rapidamente, após a realização das pesquisas arqueológicas, converteu o local em símbolo da luta pela afirmação de sua identidade e de sua história.
O edifício abriga valores históricos e etnográficos, pela importância para a memória identitária brasileira, enquanto símbolo de luta pela equidade de direitos e oportunidades dessa parcela da população. Construído em 1871, foi projetado por Rebouças, a edificação é considerada marca da evolução da técnica de construção e modernização da operação de portos no Brasil.
Biografia
André Pinto Rebouças nasceu no município de Cachoeira, na Bahia, em 3 de janeiro de 1838. Era filho de Antônio Pereira Rebouças e Carolina Pinto Rebouças. O pai, filho de ex-escravizada e de um homem branco, foi um advogado autodidata, deputado pela província da Bahia e conselheiro do imperador dom Pedro I.
A família Rebouças veio para o Rio de Janeiro em 1846. André e o irmão Antônio, aos 15 e 16 anos, ingressaram na Escola Militar (precursora da Escola Politécnica) e formaram-se engenheiros militares em 1860. Depois de uma viagem pela Europa, (1861-1862) voltaram ao Brasil em 1863 e ficaram responsáveis por reformas nas fortalezas de Santos até Santa Catarina. Em 1864, André projetou o novo porto do Maranhão.
André participou da Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1866, no batalhão dos engenheiros e retornou ao Rio de Janeiro por motivo de saúde. Participou das obras do porto da cidade, foi diretor das obras das novas Docas da Alfândega (na atual praça XV) e responsável pela construção das Docas de Pedro II (ao lado do Cais do Valongo).
11 projetos ganham recursos na região
Onze projetos culturais vão dividir cerca de R$ 5 milhões para valorizar a Pequena África, na região central do Rio de Janeiro. Os recursos virão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de instituições apoiadoras. Projetos propostos respectivamente pela Casa Escrevivência, pela Casa de Tia Ciata e pelo Instituto Entre o Céu e a Favela estão entre os primeiros colocados.
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De acordo com os organizadores, os selecionados contribuirão para a preservação e valorização da memória e herança africanas na região da Pequena África. “Ao mesmo tempo, o edital garante investimento direto que fortalece manifestações culturais e organizações negras”, diz em nota o BNDES.
O certame foi liderado pelo Consórcio Viva Pequena África, formado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Diáspora.Black e Feira Preta. O consórcio se tornou o parceiro gestor do edital após ter sido selecionado em chamada pública realizada em 2023 pelo banco.
A escolha dos projetos levou em conta os critérios de relevância, impacto social, tradição e trajetória, maturidade organizacional, viabilidade técnica e poder de articulação. A Casa Escrevivência, espaço cultural lançado pela escritora Conceição Evaristo em 2023, ficou com o primeiro lugar. O local, situado no Largo da Prainha, abriga todo o seu acervo literário.
“Estamos falando de um patrimônio escrito, de um patrimônio bibliográfico, que sem sombra de dúvida se soma a outras memórias que estão implantadas na região como a memória da música, do samba, da culinária. Nós chegamos trazendo essa memória escrita”, explica Conceição Evaristo.
Na segunda posição, está o projeto Caminhos da Tia Ciata, voltado para a promoção de saberes afro-brasileiros por meio de oficinas, rodas de conversa e vivências, incluindo culinária ancestral, samba e capoeira. A valorização da memória da Tia Ciata, figura central na história do samba e da cultura negra no Rio de Janeiro, estrutura as atividades envolvidas.
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“Ao longo de 12 meses, vamos realizar uma série de ações voltadas escolas, comunidades e o público geral”, explica Gracy Mary Moreira, presidente da Casa de Tia Ciata.
“Acreditamos que a cultura transforma, educa e constrói pontes. Queremos deixar um legado institucional duradouro fortalecendo o papel da Casa de Tia Ciata como referência na preservação da memória afro-brasileira”.
Patrimônio cultural
Localizada na zona portuária do Rio de Janeiro, a Pequena África é marcada por sua relevância histórica na formação da identidade cultural afro-brasileira. A região abriga o sítio arqueológico do Cais do Valongo, principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas, reconhecido desde 2017 como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A região tornou-se também patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro após o presidente Lula sancionar a Lei Federal 15.203/2025, na sexta-feira (12).
A Pequena África engloba também o Largo da Prainha, o Museu da História e Cultura Afro-Brasileira, a Pedra do Sal, o Cemitério dos Pretos Novos e a Casa da Tia Ciata, entre outros marcos históricos da região portuária do Rio de Janeiro.