“Passo” é a palavra que abre o primeiro texto do livro que reúne 52 artigos do escritor Flávio Jacobsen. “Bacana” é a última do último. Justapor as duas palavras foi a solução – meio leminskiana – que o autor e o editor Paulo Sandrini encontraram para nomear o livro que ficou mais tempo sem título que devia.
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Lançado pela editora Kafka e em pré-venda AQUI, o título “Passo Bacana” faz sentido, pois o conjunto das histórias contadas por Jacobsen em textos que vão da crônica à reportagem cultural, não são outra coisa que um rolê, uma deambulação pelo lado mais perigoso da cultura popular dos últimos séculos.
Os All Star do autor sabem os caminhos de um texto informativo e divertido, ricos de sacadas, relações de causa e contextualizações sobre como algumas pessoas extraordinárias perpetraram os grandes acontecimentos culturais da invenção do cinema ou do dia em que o conselheiro Rui Barbosa criou a ABL até hoje em dia.
A história da capa
Quando eu tocava rock, o Douglas Frois, fotógrafo clássico do underground curitibano, flagrou meus pés durante um concerto do Gruvox. Pensamos em usar a foto na capa, mas a imagem original não tinha registro em alta resolução, apropriada à impressão gráfica. Então o [editor Paulo] Sandrini resolveu reproduzir a foto, com ele como modelo e seu filho Gianluca como fotógrafo. Uma Pequena falcatrua como sói acontecer na cultura pop”
flávio jacobsen .
Alguns nomes são populares e fatos são bem famosos como Fellini, os Rolling Stones, Andy Warhol ou Belchior. Outros mais obscuros como Tião Carreiro, Carlos Zéfiro, Cornélio Pires ou o DJ Big Boy. Mas todos têm sua história contada a partir de ponto de vista original e hiperlinkados aos seus respectivos tempos históricos.
Santista, radicado em Curitiba há mais de 40 anos, Jacobsen é redator publicitário, compositor e jornalista. Em 2015, lançou seu primeiro livro de ficção “Uns contos no bolso”. Agora no campo da não-ficção, os artigos que compõem este Passo Bacana foram escritos enquanto exercia a função de diretor artístico das rádios Cultura de Curitiba e publicados originalmente no site da emissora.
Em conjunto neste livro, que ainda não tem data de lançamento oficial definida, formam um panorama leve e inteligente da cultura pop, ainda que muitos dos temas e pessoas sejam anteriores ao advento do sentido deste conceito na história da arte e do mundo. Em entrevista exclusiva ao Fringe, o escritor contou como e por que criou seu novo livro:
Entrevista – Flávio Jacobsen fala sobre Passo Bacana
No subtítulo, diz que o livro é uma viagem pela cultura pop, mas há alguns textos que escapam desse rótulo pelo tempo e pelo tema. Qual é então a verdadeira conexão entre esses textos?
É verdade. Mas eu diria que depende do que a gente enxerga como cultura pop. Há, de fato, alguma controvérsia a respeito. Você pode estar especialmente se referindo ao texto sobre Rui Barbosa ou a Borges. Outros, vários, talvez.
Parto do princípio, obviamente pessoal, de que tudo que é industrializado acerca do entretenimento é cultura pop. Não é consenso, tudo bem. Vai ver por isso tudo é tão interessante, que corre de assunto das mesas de bar aos sites de cultura desde a segunda metade do século 20, pelo menos.
Costumo dizer que pop é “popular com propósito”. Tá tudo certo. Alguns personagens, sem propósito algum, acabaram inseridos dentro do amálgama que involuntariamente acabei incluindo no livro.
O formato de crônica humanizada sobre personagens, lugares, movimentos e acontecimentos culturais faz sucesso em vídeos (geralmente tolos) na internet. Você se sente responsável por fazer algo assim: contar como as coisas aconteceram para quem não tem ideia de que elas existiram?
É exatamente aí que reside a pedra fundamental de onde comecei a escavar esta enorme pedreira. Foi sem querer, modestamente afirmo. Quando me propuseram escrever uma coluna e me deram liberdade total acerca de quaisquer temas, é óbvio que a figura do cronista/autor/escritor apareceu imediatamente.
Mas pensei: o ambiente é internet. E, a partir do preceito virtual, decidi que gostaria de escrever sobre aquilo que gosto de ler nesse ambiente.
A internet é uma coisa assustadora. Mas (quase) tudo que leio ali vem de autores que eu já lia em jornais, revistas, fanzines. Gente como André Barcinski, Forastieri, Ana Maria Bahiana, Fábio Massari, Verissimo. Tudo que se lia à época dos jornais e revistas ainda ecoa. Os autores que leio são medidos com aquela régua, eu diria. Sem prejuízo, então, eu diria (risos).
Então foi fácil: vou escrever sobre aquilo que gosto de ler na internet. Livros, discos, filmes, basicamente. Histórias que dividimos em mesas de bar desde sempre. Não foi difícil essa parte.
Você tem algum tipo de saudade do século 20? O que te faz mais falta do mundo sem internet?
Sou um homem do século 20. Formado, diagramado, feito vitoriano (período pelo qual sou fascinado, onde foi forjado o cidadão dos séculos 20 e 21), depois transferido diretamente ao beat, redesenhado ao hippie, forçado ao punk, new wave por natureza, vanguardas por gosto pessoal, desgostoso de tudo que passou, cansado de guerra, de estar na vanguarda de tudo e não ser compreendido.
Nada me faz lá muita falta em um mundo — já quase imemorial — sem internet. A única coisa que faz o mundo anterior ser melhor que o de agora é o fato de sermos jovens antes. Trocando em miúdos: prefiro hoje. Hoje consigo ouvir em mp3 ou assistir em streaming toda a beleza produzida no século passado, que não tinha dinheiro para acessar antigamente. Impensável consumir tudo aquilo à época, assim tão facilmente.
Quais personagens — um gringo e um brasileiro, ou quantos você quiser — têm a história mais impressionante entre as escolhidas para o livro?
Relacionado ao livro, gosto muito da história dos caras que fizeram acontecer Nosferatu, aquela malandragem, tudo enfim. Amo sobremaneira a trajetória de Cornélio Pires.
E, como personagem, sempre fui fascinado pela figura de Nelson Gonçalves. A forma como Henfil transformou-se em artista supremo é, para mim, absoluta em relação ao que encaro como “é assim que se faz”.
Mas sou absolutamente apaixonado por todos os personagens sobre os quais escrevi. Sem exceção.
É possível contar histórias que já estão no imaginário geral de um jeito diferente. Qual é a chave para fazer isso?
Cara, até hoje acredito que tudo começou naquele dia em que nossa professora do primário chegou no primeiro dia de aula do ano, algo assim, e pediu para a gente escrever aquela redação do tipo “como foram suas férias”.
A gente tinha que se virar. Ainda vejo a imagem da professora Lígia, lá no Grupo Escolar Olavo Bilac, em Santos, pedindo a tal da redação — eu adorava o desafio, bom que se diga.
Lembro de uma passagem de Misto Quente, de Charles Bukowski, na qual a professora pede a ele, um garoto de seus oito anos de idade, para descrever em redação a visita do presidente dos EUA a Los Angeles. Ele não havia ido ao evento, por algum motivo ou confusão que arrumara, e inventou tudo. Ganhou nota dez. É uma bela passagem do velho Buk, essa.
Digamos que, quando exerci a função de colunista, eu tinha que fazer aquilo que a professora Lígia pedia, só que uma vez ou duas por semana (risos). E é assim que a coisa funciona, acredito. Eis a minha chave.