Por Gabriel Costa, especial para o Fringe 

Quem é “cronicamente online” provavelmente já ouviu dizer que o Paraná é a “Rússia brasileira”. A expressão, popularizada por um dos pioneiros da internet nacional, Cid, do blog Não Salvo, vem da fama de que muitas situações esquisitas e curiosas acontecem ou surgem  na terra das araucárias.

Neste curioso cenário fictício, poderíamos comparar a nobreza de Moscou ou São Petersburgo à elite provinciana de Curitiba em suas contradições e decadência.

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Na peça Nastácia, em cartaz na Caixa Cultural de Curitiba, o público é convidado da festa de aniversário da personagem que dá nome ao espetáculo. Inspirada no romance O Idiota, de Dostoiévski, a narrativa revela todas as sujeiras e contradições da aristocracia russa do século XIX.

O elenco de Nastácia em cena durante a festa de aniversário da personagem. Foto: divulgação

Órfã desde a infância, Nastácia foi transformada em concubina aos 12 anos por um latifundiário rico. Em vez de narrar toda a trajetória da personagem, a peça recorta um momento-chave do livro: seu aniversário.

O que deveria ser uma celebração se transforma em uma tragédia típica do mestre da literatura russa — uma grande exposição da maldade e da malícia humanas.

O cenário, vencedor do Prêmio APTL, retrata com precisão a beleza e o glamour contrastados com a decadência de uma elite tola e mesquinha. Quadros com molduras douradas, mas sem nenhuma fotografia, simbolizam a riqueza vazia dos personagens.

Durante a festa, Nastácia é colocada em uma espécie de leilão, no qual os homens da história disputam financeiramente por sua mão. No palco, além da protagonista, estão apenas dois personagens: o latifundiário Totsky e o pretendente Gania.

Quem já leu O Idiota sabe que o protagonista é o príncipe Michkin. Na peça, ele não aparece em cena, mas sua presença é evocada na plateia. Figura de pureza e moralidade, o príncipe pode ser qualquer um de nós.

Nobreza vazia: as contradições demonstradas em Nastácia’. Foto: divulgação

Ao longo da montagem, há brincadeiras relacionando os espaços e lugares da Rússia ao cenário paranaense. Apesar de ser um clássico russo, a crítica que embasa Nastácia é universal: existe uma elite mesquinha e tola em todos os lugares do mundo — em Curitiba, não é diferente. Como diria Dalton Trevisan:

“Curitiba sem pinheiro ou céu azul, pelo que vosmecê é — província, cárcere, lar — esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.”

Mais do que uma releitura, Nastácia se destaca por recontar a história a partir do ponto de vista da mulher. É tão normalizado ver personagens femininas relegadas ao sofrimento que raramente nos perguntamos o porquê. A peça dialoga com O Idiota e o complementa, atualizando suas temáticas e conferindo-lhe novas camadas.

Nastácia à vontade na Rússia brasileira. Foto: divulgação

O final é surpreendente e ousado, abrindo espaço para um diálogo fundamental sobre feminicídio e sobre a importância de narrativas com protagonismo feminino.

Existem Nastácias, Totskys, Michkins e Ganias em muitos lugares além do território russo. Em Curitiba, capital da Rússia Brasileira, estamos cheios deles.

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