Ganhei dinheiro importante nos cavalos duas vezes.

A primeira foi numa noite no Tarumã. Uma trifeta cantada por um cara vivia por lá e para quem eu tinha oferecido uma cerveja.

Prometi a ele que se a gente ganhasse, jantaríamos na churrascaria Recanto Gaúcho.

Deu na cabeça e aboletei uns 400 reais. Perdi um tanto em outras apostas, bebi outro tanto e paguei bebida à toda a malandragem.

Então chamei-o e fomos cumprir a promessa. Ele tinha não tinha muitos dentes, mas deu conta dos coxões e dos cupins. Ainda que a gente tenha mais bebido do que comido.

Eu ainda morava no Alto da XV e ele, como me contou, no antípoda Bairro Alto. Depois do último underberg nos despedimos e fomos cada qual para seu lado.

Não aguentei o caminho. Parei, vomitei e, por fim, dormi na praça das Nações. Quando acordei vi que tinham sobrado apenas 15 reais.

A segunda vez foi na Gávea, numa tarde de janeiro de 2002. Outra trifeta.

Escolhi pelo nome o azarão como vencedor: Jim Morrison. Uma tolice. Por que você jogou fora o valete de copas? Milagrosamente, deu certo.

O hipódromo do Rio é um dos cinco lugares mais bonitos do mundo. E eu fiquei lindo com o bolo de 1,6 mil reais no bolso.

No estacionamento do Jockey havia um daquelas feiras com marcas de roupa descoladas, bongs, drinques e música eletrônica.

Eu era então apaixonado por uma mulher que morava na Europa. Ela tinha se casado com um sujeito que conheci. Um completo imbecil.

Zanzei um pouco pelos corredores e topei com um vestido preto, com umas rendas no colo.

A manequim que tinha exatamente o tamanho dela. A mesma altura da bunda. Eu sabia que ela ficaria incrivelmente gostosa com aquela roupa. Comprei por 800 reais.

Estava parado no “hotel para cavalheiros”, onde moraria três anos depois, na rua Joaquim Silva, na Lapa.

Subi com algumas garrafas e passei a escrever na minha Hermes Baby portátil a carta que acompanharia o presente.

No texto, em suma, procurava convencê-la a largar sua vida promissora na Europa e voltar ao Brasil para viver comigo dentro de uma pornochanchada.

Durante a redação, atirei algumas garrafas na parede. Quando fui juntar os cacos, cortei a mão. Em outra tolice, que deu muito errado, achei que devia assinar com sangue.

Coloquei o vestido em um cabide perto da janela e dormi. Quando acordei ele não estava mais lá.

O primeiro instinto foi desconfiar do hippie uruguaio do quarto ao lado que escrevia o nome das pessoas em um grão de arroz.

Quando olhei pela janela vi que o pano preto tinha voado para se emaranhar na copa de uma grande árvore, cuja espécie nunca soube identificar, na calçada da frente. Um voo de grande beleza plástica e um problema.

Desci e encarei a situação. Era impossível subir naquela árvore.

Eis que chega do meu lado um menino que morava na rua. Expliquei a situação a ele que me perguntou: “Quanto você me paga se eu subir lá?”

Disse que dava 50. Ele subiu e desceu em menos de um minuto.

Fui comemorar na Adega Flor de Coimbra, aquela que proibia beijos quentes nas mesas. Fiquei abraçado ao vestido, bebendo vinho verde.

Mandei a carta e o pacote. Me custou 200 mangos. Na época, eram quase 200 dólares.

Anos depois, ela me disse ter adorado o vestido que era sim do seu número. Tinha se separado do cara e eu não tinha me enganado quanto a ele.

Estava grávida e tinha casado de novo com outro cara, esse sim, muito legal. E contou que a parte do sangue chegou cheia de vermes, aliás, a origem etimológica da palavra vermelho.

No dia seguinte a cena do vestido, o Lula tomou posse no Palácio do Planalto pela primeira vez. Eu vi tudo de uma mesa no café Lamas, no Flamengo.

Tomei uns 50 chopes, dei gorjetas gordas e abraços em desconhecidos. Depois, fui andando até a praia de Botafogo e me deitei na areia suja. Botei a mão no bolso e vi que me tinham sobrado 15 reais.

Achei o Cruzeiro do Sul no céu e dormi.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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