Em meados de outubro de 1940, a rede elétrica finalmente chegou à cidade de Três Corações, no sul de Minas Gerais. O da luz elétrica causou tanto impacto na vida do povo tricordiano que o jogador de futebol João Ramos do Nascimento, conhecido Dondinho, decidiu batizar seu primeiro filho, nascido em 23 de outubro daquele ano, com o nome do inventor da lâmpada.

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No registro civil, o menino se chamou Edison Arantes do Nascimento, com “i”, como no nome do cientista e empresário americano. Ao longo da vida, ele se tornou Edson. Para a família, sempre foi o Dico. Dezessete anos depois, o mundo o conheceria como Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos.

Pelé nasceu em casa. Sua mãe, Celeste, tinha 16 anos e foi ajudada no parto doloroso por sua mãe, avó de Pelé, dona Ambrosina. Celeste era filha de Jorge Lino Arantes, um carroceiro que vendia lenha na região e todo dia precisava descer e subir com os cavalos na íngreme ladeira que hoje é a Rua Edson Arantes do Nascimento.

Dondinho, Pelé e Celeste, já em Santos no final dos anos 1950, Foto: ; José Dias Herrera/reprodução

A casa ainda está lá, depois de ser restaurada, sob o número 1000, em homenagem à marca extraordinária que o menino Dico alcançou em 1969, quando marcou seu milésimo gol no Maracanã, na mesma semana em que o homem pisou na Lua. Pelé nasceu apenas 52 anos após a abolição da escravidão no país. E veio à luz 17 anos antes do primeiro voo espacial. O que mostra como o tempo corre diferente mundo afora.

A então recém iluminada Três Corações é uma das muitas cidades de maioria negra em Minas Gerais.
O imóvel recuperado foi inaugurado como museu em setembro de 2012, data em que o Rei esteve na cidade pela última vez. Administrado pela prefeitura local, tem entrada gratuita.

O espaço procura recriar nos mínimos detalhes possíveis como era a vida da família Arantes do Nascimento nos anos 1940: portão de madeira, a carroça do avô, cômodos simples e pequenos, fogão à lenha e o berço onde Pelé dormia, com um saquinho de crochê feito por sua avó.

Há uma jabuticabeira no jardim, como havia antes — aliás, uma das poucas memórias que Pelé dizia ter do lugar onde morou por pouco tempo. Em 1944, a família pegou um trem para Bauru, no interior de São Paulo, e foi lá que Dico virou Pelé.

Nas ruas de Três Corações, a maioria dos móveis, os utensílios de cozinha e o rádio que passa o dia tocando boleros e sambas-canção foram comprados em brechós para recriar o ambiente da casa na Era Vargas, durante a Segunda Guerra Mundial.

Três Corações é uma cidade que fica num circuito esotérico do sul mineiro. O polo regional é a cidade de Varginha, famosa pelas aparições de OVNIs, e a menos de 40 quilômetros fica a cidade de São Thomé das Letras.
Faz sentido que o humano mais claramente provido de poderes sobrenaturais tenha nascido lá.

Dondinho, o pai de Pelé, chegou à cidade para cumprir o serviço militar no batalhão à beira do Rio Verde. Tornou-se jogador do Atlético Tricordiano e rodou por muitos times do interior de Minas e São Paulo. Chegou a fazer testes no Atlético Mineiro, mas teve uma lesão grave e não foi aprovado. Dizem que era bom de bola: cabeceador, marcou cinco gols de “chapa” num único jogo.

Na cidade há uma série de estátuas, monumentos e homenagens ao Rei, que dá nome ao estádio e também à maior avenida. A atração imperdível, porém, é o berço humildíssimo onde nasceu a primeira e maior celebridade mundial — o único monarca da nossa era que não usurpou o título, mas foi reconhecido pelas gentes.

Feliz aniversário a Pelé e a todos os seus súditos. Hoje deveria ser feriado nacional.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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