A adaptação cinematográfica de O Filho de Mil Homens, obra de Valter Hugo Mãe, é um mergulho fascinante no amor e na construção silenciosa de afetos. Tudo parece um sonho. Um começo poético surge envolto em aura misteriosa, com elementos gráficos e uma melancolia azulada que guia o espectador.
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O filme estreou na Netflix no último dia 19. A simbologia se constrói aos poucos e só se revela de forma plena ao longo da narrativa. Eu não li o livro, confesso. Mas é possível perceber que a essência dos parágrafos de Valter Hugo Mãe foi traduzida com precisão pelas lentes do diretor Daniel Rezende. O cenário, o figurino e a entrega dos atores se unem em contexto suave e doloroso, capaz de fazer o público sentir na pele as emoções dos personagens.
Isso acontece com Camilo (Miguel Martines), o garoto órfão que cruza o caminho do pescador Crisóstomo (Rodrigo Santoro), homem solitário e infeliz que vive em seu casebre à beira da praia. Acontece com Francisca (Juliana Caldas), julgada incapaz pelas supostas amigas e por uma vila pronta para condenar qualquer pessoa fora do padrão “habitual”. Acontece também com Antonino (Johnny Massaro), aprisionado pela mãe por medo de que ele seja castigado devido a sua orientação sexual.
E acontece com Isaura (Rebeca Jamir), jovem que se vê solitária após ser deflorada e rotulada como imoral, enquanto sua mãe — interpretada por Grace Passô — busca desesperadamente um casamento para salvar a reputação da filha.
O Filho de Mil Homens reúne todas essas histórias — e outras — em capítulos que lembram um livro. O roteiro mostra dor e sofrimento. Mas revela, ao final, uma união amorosa entre julgados, abandonados e rejeitados. É como se os personagens encontrassem um ninho de afeto que nunca tiveram, dentro de um simples casebre que se transforma em refúgio de acolhimento.
Cenário

O cenário é um dos pontos altos do filme. As casas construídas sobre pedras criam a sensação de que estamos longe de qualquer lugar conhecido. A vila, embora colonial, carrega aura sombria. A feira também reforça esse clima. As locações em Búzios (RJ) e cidades da Chapada Diamantina (BA) surpreendem e se tornam parte fundamental do enredo.
Figurino

O figurino encanta pela forma como distingue os personagens. A paleta de cores reforça diferenças e estados emocionais. Crisóstomo tem visual desgrenhado. Camilo veste-se como um menino clássico de 10 anos. Isaura surge com vestidos delicados e cabelos cacheados soltos. Cada peça complementa quem são e dá veracidade às trajetórias.
O boneco
Um boneco de pano, sempre sorridente, atravessa o filme como personagem simbólico. Ele funciona como “filho” para Crisóstomo, preenchendo sua melancolia e solidão, principalmente no início da trama.

Solidão, melancolia, preconceito e amor
Gritos, traumas, dor e julgamento se acumulam e atravessam cada personagem. Mas tudo se transforma quando o amor prevalece. Ao final, o filme oferece uma mensagem em forma de abraço: não importa o quanto você tenha sofrido — aqui você encontra cura.
