Por Manuela Trafane, do Jornal da USP
Quanto tempo o tempo tem?” O crítico de arte e curador Paulo Herkenhoff responde: depende da perspectiva. Na exposição Asa de Chronos, Herkenhoff reúne dez obras de 11 artistas que representam o tempo — não só como o movimento dos ponteiros do relógio, mas também como conceito que atravessa a humanidade. Em cartaz no Centro Universitário MariAntonia da USP até março de 2026, a mostra inclui obras de Ailton Krenak, Cildo Meireles e Regina Silveira.
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Nessa exposição, Paulo Herkenhoff — ex-curador-adjunto do Museum of Modern Art (MoMa) de Nova York e curador da 24ª Bienal de São Paulo, realizada em 1998 — buscou reunir obras de artistas que tinham o tempo como tema principal. Para garantir a imersão do público, ele determinou que a sala ficasse em penumbra, com exceção de fortes luzes sobre as obras, ou produzidas por elas.
É o caso, por exemplo, da instalação Eternidade (2025), dos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso. Na parede, a dupla pintou um círculo dourado onde é projetada a palavra “eternidade”. Em frente ao projetor, uma pequena esfera cristalina giratória é usada para simular um movimento de ondas nas palavras.
A peça original foi feita em 2011 como homenagem a um curador brasileiro que havia falecido, para uma exposição em Lisboa. A ideia era trazer o conceito da eternidade, que é imaterial, por meio do elemento não palpável da projeção — estrutura presente nos trabalhos de Albano. Para a obra exposta no MariAntonia, os artistas uniram esse conceito a um elemento recorrente nas obras de Sandra Cinto, o círculo dourado.
Já o dourado foi incorporado à sua arte depois de pesquisas sobre como a cor era usada no decorrer da história da arte. “Na pintura bizantina da Idade Média, o dourado era usado como simbologia de um espaço metafísico. Nas chinesas e japonesas, ele também tinha certa conotação espiritual, de transcendência”, explica a artista.
Os trabalhos com luz e projeção de Albano e com cor e forma de Cinto foram unidos para formar a peça, que, apesar do nome, foi feita para acabar. “A obra tem o tempo dela, vai ter um fim. Quando tirar a tomada do projetor, ligar a luz da sala e pintar a parede de branco, ela para de existir”, diz Albano.
Diferente dela, a escultura em bronze que forma frase A Fuga das Horas (2023), de Shirley Paes Leme, continuará depois do fim de Asa de Chronos. Leme trabalha com conceitos não tangíveis em sua arte: ar, fumaça e literatura, por exemplo. Nesse caso, a frase foi tirada de um de seus poemas. “Essa obra usa a palavra porque, depois de falada, ela se esvai, ela some, derrete no tempo”, conta. Para produzi-la, a artista usou água para escrever e congelou-a enquanto derretia. Passou a imagem para o 3D e, em seguida, para o bronze.
Também na mostra está a pintura O Guardião da Luz (2020-2022), de Fernando Lindote. Nela, um macaco é retratado em cima de uma árvore, segurando uma vela em meio à escuridão. A tela faz parte de uma série de nove quadros, chamada Homens Evoluem. “Nessa série, a figura do primata se repetia em diferentes posições, mas o personagem sempre tinha o rabo contorcido como o símbolo do infinito”, explica. O conceito da infinitude é usado para representar a resiliência do ser humano. “É essa insistência de segurar a luz num ambiente de trevas ou o esforço deliberado de fazer algo acontecer num ambiente não tão favorável”, continua.
Outro quadro exposto é Ânsia de Infinito… (2023), de Estevão Parreiras. Ele retrata um garoto segurando uma bandeja com dois olhos em uma mão e uma longa folha na outra, imagem inspirada em Santa Luzia. Na história cristã, Santa Luzia era uma mulher de família nobre italiana que havia prometido ao pai permanecer virgem até a morte. Após a morte de seu progenitor, no entanto, sua mãe, muito doente, queria que se casasse com um jovem pagão. Diante disso, Santa Luzia propôs à mãe que fossem ao túmulo de Santa Águeda pedir pela cura da doença. Caso funcionasse – o que aconteceu –, isso seria uma mensagem para não se casar.
Ao retornar do túmulo, Santa Luzia foi acusada pelo ex-noivo de ser cristã, o que era ilegal na Roma da época. Por isso, foi perseguida e teve seus olhos retirados pelos torturadores e colocados em uma bandeja de prata. Em uma das versões contadas, assim que seus olhos foram retirados, outros, mais bonitos, apareceram no lugar. “Quando ouvi, amei a história e quis ter minha versão dessa figura. Acabei fazendo o quadro a partir de um personagem já existente nos meus trabalhos, que é esse carinha”, explica Parreiras, referindo-se ao menino-personagem de Ânsia de Infinito… .
Em cima da figura, a frase “Ânsia de infinito…” dialoga com a eternização de Santa Luzia — não apenas no quesito religioso e transcendental, mas no sentido de uma figura continuar no imaginário popular através do tempo, por meio de uma história contada e recontada. Porque o tempo não para.

