Texto de Ricardo Thomé, reproduzido do Jornal da USP 

Está em cartaz no Sesc Ipiranga, em São Paulo, a exposição 100 Anos de Paulo Vanzolini, o Cientista Boêmio. A mostra apresenta as duas facetas da obra de Paulo Vanzolini, que nasceu na capital paulista em 1924 e morreu em 2013: a do zoólogo, pesquisador e diretor do Museu de Zoologia (MZ) da USP e a do compositor de sambas imortais, como Ronda e Volta Por Cima.

A curadoria é da cineasta Daniela Thomas, com a colaboração dos filhos do homenageado, o diretor de arte e cineasta Toni Vanzolini e a psicóloga Maria Eugênia Vanzolini.

O Boêmio

O cientista, pesquisador, diretor do Museu de Zoologia da USP e sambista Paulo Vanzolini – Foto: Silvio Tanaka

A exposição é dividida em cinco salas principais: A Vida Boêmia; Contribuições à Ciência; Floresta Amazônica; Conexões com Artistas; e Paulo por Paulo, além de um espaço dedicado à Kombi na qual Paulo Vanzolini fez algumas de suas expedições pela Amazônia, denominado Viagens de Campo.

O visitante que adentra A Vida Boêmia se depara com um espaço cuja proposta é simular o ambiente de um bar, na disposição e na decoração, além de um telão onde são exibidos vídeos com diversos artistas interpretando canções compostas por Vanzolini — entre eles, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Nara Leão.

O texto exposto na parede do “bar” destaca o fato de que o compositor não tinha nenhum tipo de formação musical e contava com a ajuda de amigos músicos para transpor suas melodias para a partitura. A maior parte de suas composições saiu no álbum Acerto de Contas de Paulo Vanzolini, de 2002.

Em conversa com o Jornal da USP, Toni Vanzolini enalteceu a obra do pai: “Paulo não se dizia compositor, mas ‘boêmio’, ‘homem da noite’. E a exposição também tem um pouco da simbologia de ‘acerto de contas’, por homenagear alguém plural, com trabalhos diversos e variados, e expor seu legado”. O apelido “cientista boêmio” foi dado a Vanzolini pelo crítico literário e professor da USP Antonio Candido (1918-2017).

A sala da exposição que simula um bar: sem formação musical, Vanzolini contava com a ajuda de amigos para transpor suas melodias para a partitura  — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O “cardápio” do bar apresenta, em vez de pratos, os nomes de artistas da música brasileira que interpretaram composições de Paulo Vanzolini — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O cientista

As duas salas seguintes se dedicam a acompanhar a carreira de Paulo Vanzolini como zoólogo e, mais especificamente, na área da herpetologia — especialidade em répteis e anfíbios.

Uma das salas, Contribuições à Ciência, apresenta espécies catalogadas por Vanzolini em suas viagens à Amazônia, muitas das quais estão expostas no local graças a uma parceria com o Museu de Zoologia da USP, que foi dirigido pelo cientista por mais mais de três décadas.

Toni Vanzolini conta que a coleção de répteis do museu pulou de 1,2 mil para mais de 220 mil com o trabalho do pai, que também foi um dos responsáveis pela idealização da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A seção ainda apresenta o “modelo dos refúgios”, hipótese científica que busca explicar a biodiversidade amazônica, desenvolvida por Vanzolini ao lado de nomes como o do geomorfologista brasileiro e professor da USP Aziz Ab’Saber (1924-2012) e do herpetólogo estadunidense Ernest Williams (1914-1998), que rendeu a eles reconhecimento internacional.

O “modelo dos refúgios” é explicado da seguinte forma pelo diretor do Sesc de São Paulo, Luiz Deoclécio Massaro Galina, num texto que se pode ler na exposição:

“Eu aprendi que o cientista, em primeiro lugar, tem de ser generoso. Não é importante ser o dono da ideia. O importante é que a ideia esteja à disposição de todo mundo”, disse Paulo Vanzolini — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Paulo Vanzolini teve várias espécies de animais, em especial répteis e anfíbios, nomeadas em sua homenagem, descritas nessa imagem da exposição 100 Anos de Paulo Vanzolini, o Cientista Boêmio — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“A sucessão de climas extremados nessa região (a Amazônia) causou mudanças nas formações vegetais, reduzindo-as a fragmentos onde populações de espécies ficavam isoladas. Quando o clima mudava novamente, as populações podiam voltar a se encontrar, mas já estariam diferenciadas em espécies novas”

A seguir, na sala Floresta Amazônica, o visitante da mostra se vê imerso em um ambiente escuro, repleto de folhas e de painéis em tecido, que visa simular a maior floresta tropical da Terra. Pela sala estão espalhados dados sobre sua biodiversidade e importância para o planeta.

De acordo com a exposição, a Floresta Amazônica abriga 425 espécies de mamíferos – 40% delas encontradas somente naquele ambiente -, 16 mil espécies de árvores e 371 espécies de répteis. É a maior concentração de biodiversidade da Terra, contendo uma em cada dez espécies de anfíbios existentes no mundo e 10% das espécies de vertebrados e plantas.

A primeira viagem de Paulo Vanzolini à Amazônia ocorreu no Acre, em 1951, e a última se deu no Mato Grosso, em 1997. Ao todo, ele percorreu mais de 11 mil quilômetros de rios na Amazônia — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Toni Vanzolini conta que, em suas viagens, Paulo Vanzolini sempre levava consigo alguém não ligado ao mundo acadêmico, como fotógrafos e pintores, a fim de explorar as “pontes entre os dois mundos” — o da ciência e o das artes. E é nisso em que a sala Conexões com Artistas se concentra.

A seção expõe a reprodução de diversas obras do artista plástico pernambucano José Cláudio da Silva (1932-2023), que acompanhou Vanzolini em uma expedição ao Rio Madeira, em 1975. As pinturas retratam diferentes momentos da viagem, bem como as paisagens vistas por eles no trecho que vai de Manaus a Porto Velho. As telas originais fazem parte do acervo do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do Estado de São Paulo.

A sala Conexões com Artistas apresenta os quadros do artista José Cláudio da Silva e o percurso que ambos fizeram há quase 50 anos. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Depois, o visitante conhece a sala Paulo por Paulo, que traz relatos de Paulo Vanzolini sobre si mesmo e a respeito de temas como ciência, música, amor e Brasil. Além de vídeos com reportagens, a parede da sala é ilustrada com frases do zoólogo e compositor. Numa delas, o cientista boêmio conta: “Tudo aquilo que tenho e fiz foi a lagartixa que me deu. Com um litro de formol e estudando lagartixa, criei seis filhos”.

Vídeos trazem entrevistas com Vanzolini – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na seção Viagens de Campo, onde está a Kombi usada por Vanzolini em suas expedições por diferentes biomas do País, um texto destaca que o zoólogo não dirigia automóvel e que, normalmente, quem assumia o volante era sua filha Mariana ou Francisca do Val, a Chica, zoóloga e ilustradora. Como mostra ainda a seção, a Expedição Permanente à Amazônia, comandada por Vanzolini nas décadas de 1960 e de 1970 e financiada pela Fapesp, foi feita por meio do barco Garbe.

Paulo Vanzolini fazia questão de frisar a importância da viagem de campo, tendo o ambiente aberto como seu laboratório — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição foi inaugurada no dia 28 de agosto passado com um show de abertura de Carlinhos Vergueiro, parceiro musical de Paulo Vanzolini. “Foi um show pequeno, intimista. No começo do ano, já havia sido feito um show por Mônica Salmaso e Eduardo Gudin com composições de Paulo Vanzolini no Sesc Vila Mariana, e a nossa intenção é promover mais um no fim do ano”, revela Toni.

Serviço

A mostra 100 anos de Paulo Vanzolini, o cientista boêmio fica em cartaz até 16 de março de 2025, de terça a sexta-feira, das 9h às 21h30, aos sábados, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 10h às 18h30, no Sesc Ipiranga (Rua Bom Pastor, 822, bairro do Ipiranga, em São Paulo). Entrada grátis.

 

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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