Para o diretor Lírio Ferreira, cada filme é uma fotografia de seu tempo. Portanto, seu novo longa, Serra das Almas, que estreou no Festival do Rio 2024, “carrega a esperança desajustada” do período pós pandemia.

Apesar de toda a violência que permeia os minutos do filme, Lírio viu o filme como retrato do tempo em que o país saiu política e socialmente do pesadelo das mais de 700 mil mortes no país.

“Se a gente não tivesse dado uma virada, talvez a gente não tivesse uma mensagem de esperança no final. Como a gente conseguiu fazer tudo isso, o filme carrega essa esperança desajustada. É mais ou menos essa a mensagem que eu tenho do filme”, disse o diretor.

O clima de seu 11º longa metragem, aliás, é o de um pesadelo psicodélico e sangrento. Na trama, um roubo de pedras preciosas reúne um grupo de velhos parceiros de crime. Toda a operação tem relação com um político poderoso que vinha sendo investigado pela imprensa local. Quando tudo explode na região de uma das maiores comunidades do Recife um catastrófico desfecho une essas três pontas.

Ravel Andrade em Serra das Almas. Foto: Divulgação

Como sempre, os filmes de Lírio citam clássicos do cinema brasileiro e mundial. Filmes policiais sobre grandes roubos que viram grandes cagadas, como Cães de Aluguel, são referências mais claras, mas em Serra das Almas há referências ao cinema europeu dos anos 1960, ao cinema nacional de muitas décadas – de Vidas Secas a Bacurau – e aos faroestes americanos de Howard Hawks e John Ford.

Aliás, foi citando o papa do western que o diretor pernambucano abriu a conversa após a exibição do filme no Cine Odeon na tarde de ontem (10). “Tem uma frase do grande diretor John Ford que fala: ‘A direção de arte dos meus filmes é o rosto do meu elenco’”, disse.

Elenco de estrelas em ascensão

Lírio Ferreira (de azul) e seu grande elenco no filme Serra das Almas. Foto: Kayane Dias/Festival do Rio 2024

Ele se referia àquela que talvez seja a grande qualidade de seu filme: o elenco afiado de jovens atores de diferentes origens. Todos em momento ascendente na carreira, com prêmios e sucessos recentes no cinema e no streaming: David Santos, Vertin Moura, Ravel Andrade, Jorge Neto, Julia Stockler, Pally Siqueira e Tássia Dhur, que Lírio fez questão de apresentar um por um.

O diretor explicou que o filme teve uma produção semelhante à de um grupo teatral, pois o elenco ficou reunido e convivendo durante todo o período da filmagem.

“Foi um filme muito difícil de fazer. Nesse momento todo, nós, a equipe e o elenco, criamos uma família. Nós ficamos pouco em Recife, passamos a maior parte do tempo no agreste de Pernambuco, e eu acho que isso foi muito importante, esse gás, e isso está na tela, nos olhos do elenco, no esforço da equipe… Enfim, estou emocionado e feliz com o resultado”, disse Lírio.

Apesar de todas as referências, Serra das Almas é um Lírio Ferreira engarrafado em tonéis de carvalho. Tem violência, política, discussões metafísicas, diálogos memoráveis com a prosódia particular criada em grupo pelo heterogêneo grupo de atores.

Palhaço Assassino

No elenco de estrelas em ascensão, chama a atenção a atuação de David Santos. Palhaço de rua em Fortaleza, o ator disse ter ficado surpreso ao ser chamado, após o teste de elenco, para fazer o papel de um clown psicopata do novo cangaço. “Fazer um filme de Lírio é muito emocionante, pois foi com um filme dele que eu aprendi a fechar meu primeiro baseado”, brincou.

“Fazer o filme e interpretar o palhaço foi muito prazeroso, e este foi meu primeiro trabalho fora do Ceará. Tive que desenvolver uma linguagem própria, e foi muito massa me conectar com ela. Cada projeto traz essas conexões que a gente ganha e compartilha. Espero que este filme circule e seja visto por muitas pessoas”, completou.

Jorge, Julia e Ravel: admiração e sorrisos entre o elenco de Serra das Almas. Foto: Kayane Dias/Festival do Rio 2024

Já a atriz Julia Stockler, multipremiada por A Vida Invisível (2019), exaltou “a poética do Lírio” e do roteiro de Maria Clara Escobar, Paulo Fontenelle e Audemir Leuzinger.

“Uma das coisas bonitas desse filme é como a relação entre as mulheres vai se construindo através das mulheres. E de uma palavra que é muito bonita: cuidar. Isso vai acontecendo aos poucos… Elas quase não falam, mas, enquanto um homem está matando, a mulher está alimentando. Eu acho riquíssimo como atriz viver personagens que defendem essa relação: de um lado, você tem os ‘brothers’, que se matam; e, do outro, as mulheres, que não se conhecem, e se cuidam”, disse.

E, no final, sem dar spoiler, elas triunfam.

Talvez venha daí a esperança que fica depois de tanta desgraça.

 

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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