Você sabe por que o Brasil nunca ganhou um Prêmio Nobel?

Há várias respostas possíveis, entre as quais a falta de dois votos para que o cientista César Lattes levasse em 1951. Uma injustiça histórica, pois Lattes fez coisas extraordinárias.

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Ao analisar raios cósmicos na Cordilheira dos Andes nos anos 1940, Lattes descobriu a quinta partícula da matéria, a Mesón-pi, hoje conhecida como pion, responsável por unir as diferenças aparentemente inconciliáveis entre prótons e nêutrons.

Como os bois Garantido e Caprichoso, prótons e nêutrons são opostos e vivem em duelo eterno. Mas o nosso Mesón-pi não descansa até obter a coesão do núcleo do átomo sem a qual não existiríamos e nem a bomba atômica poderia nos explodir a todos.

Como ninguém faz nada sozinho, Lattes era parte da equipe cujo resultado até ganhou o prêmio sueco, mas em 1950 a tradição ainda era nomear apenas o líder do grupo de pesquisa, um britânico chamado Cecil Frank Powell. Em 1951, Lattes perdeu por pouco.

O Curitibano Calado

O certo é que por coincidência, ou “peculiaridades estatísticas do comportamento quântico”, Cesare Mansueto Giulio Lattes nasceu em Curitiba em julho de 1924, 100 anos antes deste Fringe entrar no ar. Estudou na escola americana que ficava na rua Emiliano Perneta, mesma rua em que estou escrevendo sobre ele.

Curitiba nos anos 1940. Foto: acervo Cid Destefani

Filho do italiano Giuseppe que chegou vindo de Turim em 1912. A família morou na atual rua Sete de Setembro e depois na rua XV de Novembro, no centro de Curitiba, onde era diretor de banco. Quando a Primeira Grande Guerra explodiu, o milionário don Pepe foi voluntário para combater os austríacos.

Não sabemos muito mais sobre a vida deles, pois, em comportamento padrão dos gênios centenários de Curitiba, o cientista falava pouco e não gostava de aparecer.

Exceção feita a entrevista à revista Nicolau, em 1992, em que Lattes soltou o verbo: disse que os livros são bobagens e Einstein era um usurpador. Criticou o sistema de estudo científico que ajudou a criar e falou coisas sobre a vida que, 32 anos passados, não mais cabem no debate público.

Mas não devemos lembrá-lo por seu entendimento social, mas pela “ciência amoral” que praticou. Como diria o poeta Edson de Vulcanis, “o que eu mais admiro em Lattes é o físico”.

Ele não ganhou o Nobel? Pior para o Nobel.

Na academia a que pertenço, Lattes levou galardão muito maior. Em 1947, os gênios Cartola e Carlos Cachaça o homenagearam no samba-enredo “Ciência e Arte”. Naquele ano, a Mangueira também foi vice-campeã por pouca coisa.

Escute Carlos Cachaça elevando César Lattes:

Tudo isso para dizer que, falando aqui de Curitiba, um de nossos papeis aqui no Fringe é o mesmo do Mesón-pi: dar coesão e amaciar as diferenças para que as coisas se tornem possíveis.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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