Falta cerca de um mês para o início da maior festa popular do Brasil, e é justo que o Carnaval a seja o assunto principal na cultura nacional. O Fringe, que tem espírito de folião, vai entrar na onda e relembrar cinco momentos históricos do Carnaval brasileiro que nem todo mundo conhece, mas que se destacam pelo inusitado ou pela importância na consolidação da maior festa popular do país.

1912, o ano com dois Carnavais

Charge critica brasileiros que caíram na folia uma semana depois da morte do Barão do Rio Branco (imagem: reprodução O Malho/Biblioteca Nacional). Fonte: Agência Senado

Os foliões nunca se esbaldaram tanto nas ruas do Brasil como em 1912. Naquele ano, o país teve dois Carnavais: o primeiro, em fevereiro, dentro do calendário oficial, e o segundo, em abril, durante a Páscoa.

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A razão foi a morte de um grande vulto da história nacional: o Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, responsável pela formatação geográfica atual do país e que tinha status de herói nacional. O Barão faleceu aos 66 anos, no dia 10 de fevereiro, uma semana antes do Carnaval, e o país entrou em luto. Seu enterro, realizado no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, com honras de chefe de Estado, parou a cidade.

Diante da comoção, os clubes que organizavam o Carnaval consideraram desrespeitosos quatro dias de lança-perfume, confetes e serpentinas naquele momento. Por isso, decidiram cancelar os bailes em cima da hora e remarcá-los para a semana da Páscoa.

Em sinal de luto, clubes do Rio adiam bailes de Carnaval de fevereiro para abril (imagem: reprodução O Paiz/Biblioteca Nacional) Fonte: Agência Senado

O povo nas ruas, porém, não aderiu à ideia, e o Carnaval aconteceu de fato, com tudo o que tinha direito. Passada a Quaresma, a folia se repetiu em abril, nas ruas e nos clubes. O caso de 1912 faz pensar: teríamos hoje no país alguém cuja morte provocasse um luto tão grande a ponto de cancelar o Carnaval?

Os bonecos gigantes não nasceram em Olinda, mas no sertão

Boneco Zé Pereira e sua esposa Vitalina. Foto: Seturpe/Divulgação

Os bonecos gigantes, uma das maiores atrações do Carnaval pernambucano, não surgiram em Olinda, mas em Belém do São Francisco, no sertão do estado, a mais de 480 km da capital.

A tradição começou em 1919, quando o jovem Gumercindo Pires de Carvalho criou o boneco Zé Pereira, de papel machê, inspirado nos cortejos religiosos da Europa. Mas, em vez de usá-lo em momentos religiosos, trouxe a figura para o Carnaval.

O Zé Pereira animou sozinho as ruas de Belém por dez anos, até que, em 1929, ganhou a companhia de Vitalina, outro boneco gigante que se tornaria sua esposa.

Para preservar a história, foi criado o Memorial Zé Pereira e Vitalina. Atualmente, o espaço exibe 12 bonecos inspirados na cultura local, guiando os visitantes por ilhas alegóricas que recriam a chegada dos bonecos à cidade.

Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, criou o concurso das escolas de samba

Foto da ala de compositores da Mangueira, primeira campeão do Carnaval do Rio. Foto: Reprodução

Nascido no Recife, Pernambuco, em 1908, filho do jornalista Mário Rodrigues e irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, o jornalista Mário Filho foi o criador do desfile competitivo das escolas de samba no Carnaval carioca.

Em 1931, Mário criou o Mundo Sportivo, o primeiro jornal brasileiro totalmente dedicado aos esportes. Além de desenvolver uma nova maneira de cobrir o futebol — o que ajudaria a transformá-lo na grande paixão nacional —, ele patrocinou, em 1932, o primeiro desfile das escolas de samba.

A razão foi prática. Como os campeonatos de futebol ficavam parados durante o período de folia, ele teve a ideia de aguçar a rivalidade entre as escolas que haviam surgido no Rio de Janeiro na década anterior, promovendo o Concurso de Escolas de Samba, uma competição para escolher a melhor entre elas a partir das notas de jurados.

O primeiro certame aconteceu em 1932, na Praça Onze, e teve a Mangueira como campeã entre 19 agremiações, com um samba composto por Cartola:

Cartola já foi jurado do Carnaval de Curitiba

Cartola toma cerveja com amigos em Curitiba.| Foto: Reprodução/ Livro Colorado – João Carlos de Freitas

Já que falamos de um dos gigantes do samba brasileiro (para muitos, o maior de todos), o mangueirense Cartola foi jurado do Carnaval de Curitiba duas vezes, nos anos de 1974 e 1976. Em ambas as edições, Cartola, autor de obras-primas do gênero, julgou o quesito samba-enredo.

A presença de Cartola em um Carnaval de uma cidade que não é tradicionalmente famosa por sua festa fazia parte de um programa da prefeitura para incentivar os festejos de rua. Criou-se a tradição de convidar nomes de expressão nacional ligados ao Carnaval carioca para dar peso ao evento local, prática que durou até o início da década seguinte.

A prefeitura garantia a verba para o pagamento das passagens e cachês dos jurados, que chegavam na quinta-feira, julgavam o desfile na sexta e retornavam ao Rio no fim de semana.

No Carnaval de 1974, acompanharam Cartola na comissão julgadora nomes como Sinval Silva (autor de Adeus Batucada, sucesso de Carmen Miranda) e o jornalista e pesquisador Ricardo Cravo Albin. Em outros carnavais, bambas como Ismael Silva, Mano Décio da Viola e Leci Brandão também foram recrutados.

Dois músicos operários criaram o trio elétrico na Bahia

Primeiro Trio Elétrico de Salvador. Foto: Acervo Pessoal Armandinho, Dodô e Osmar/Reprodução

Sobre a carroceria de um Ford T 1929, também conhecido como Ford Bigode, a dupla de músicos e amigos baianos Osmar Macedo, tocando cavaquinho, e Dodô Nascimento, com um violão — ambos ligados por uma gambiarra a um alto-falante — desfilou no Carnaval de 1951 pelas ruas de Salvador.

Foi a primeira aparição do trio elétrico, hoje sinônimo de qualquer veículo carnavalesco com instrumentos amplificados — uma invenção que se tornaria a maior contribuição baiana ao Carnaval brasileiro.

Dodô e Osmar eram operários: o primeiro, eletrotécnico; o segundo, metalúrgico. Juntos, uniram seu engenho para criar um formato que foi se ampliando até que, nos anos 1970, ganhou a forma e a dimensão que tem hoje — quando, atrás de um trio elétrico, só não vai quem já morreu.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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Fringe é uma plataforma de comunicação e entretenimento sobre arte e cultura brasileiras criada dentro do Festival de Curitiba e conta com o patrocínio da Petrobras

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