“Brasil. Um menino enthusiasmado.”
Com essas palavras em letras garrafais, começa Nasce um País, ensaio gráfico montado com recortes de propagandas das primeiras revistas da República do Brasil. Ele faz parte de uma trilogia de livros desenvolvidos pelo designer Gustavo Piqueira entre 2023 e 2024 a partir do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Em Nasce um País, Cacofonia à Brasileira – Um Olhar sobre o Brasil Pitoresco de Victor Frond e Cromografias, Piqueira explora as primeiras marcas impressas de um País ainda jovem, registrado em fotografias, litogravuras, publicidades e histórias em quadrinhos. Os três livros serão lançados no dia 5 de junho, quinta-feira, às 19 horas, na Livraria Gráfica, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.
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“A ideia era essa: usar a cultura gráfica para entender o passado, mas também para criar algo novo”, afirma Gustavo Piqueira, artista gráfico e designer, em entrevista ao Jornal da USP. Entre seus mais de 40 livros publicados, o autor mescla texto e imagem para construir uma pesquisa sobre a linguagem visual desenvolvida nos materiais impressos e digitais do País. “O que me interessa é como a cultura gráfica ajuda a entender panoramas mais amplos. Ela revela coisas que outros canais não mostram, e há uma riqueza aí que ainda não é tão explorada.” Esses elementos gráficos ajudam a remontar a construção da imagem do Brasil ao longo da história, acrescenta.
Piqueira já havia pesquisado o Brasil Colônia no livro Oito Viagens ao Brasil (2017), trabalho sobre o primeiro livro publicado sobre o País, do alemão Hans Staden, em 1554. Também investigou o começo do século 20 em Os Clichês Brasileiros (2013), uma narrativa visual construída com imagens de um catálogo brasileiro de clichês tipográficos de 1922. Os três novos livros chegam para dar continuidade a esse trabalho, agora colocando uma lupa sobre a cultura gráfica do Brasil República.
A nova trilogia
“A minha pesquisa funciona de um jeito curioso: normalmente eu escolho temas que não conheço nem um pouco, e é isso que me move”, diz Piqueira. “Ao contrário do pesquisador acadêmico, que aprofunda um tema, eu vou atrás do que me é estranho.” Assim, o projeto começou com o livro Nasce um País, uma narrativa visual-tipográfica construída apenas com recortes de anúncios publicados em revistas brasileiras entre 1889 e 1910.
“A publicidade sempre revela o pior de cada momento histórico”, diz o autor sobre as propagandas oferecidas à elite letrada da época, que materializam os valores de progresso estampados na bandeira. O livro destaca, pelos anúncios, a obsessão do País em imitar a sociedade europeia, promovendo produtos como champagne e clareadores de pele.
Já o segundo título, Cacofonia à Brasileira, traz um novo olhar sobre o livro Brasil Pitoresco, do fotógrafo e pintor francês Victor Frond, publicado em 1861. Esse foi o primeiro livro de fotografias impresso no Brasil, feito a partir das fotos de Frond transformadas em litogravuras. Essa técnica foi usada em um livro de souvenirs, pequenas lembranças com o objetivo de propagandear o Brasil ainda escravocrata, com imagens de trabalhadores em suas rotinas. Piqueira afirma: “É um trabalho híbrido que mistura gravura, desenho, fotografia… Isso gera uma tensão visual. Sempre achei essa imagem curiosa: tem uma estética idealizada, mas ao mesmo tempo uma violência muito forte”.
O trabalho destaca a dimensão material do acervo gráfico da BBM, com imagens tiradas dos detalhes da impressão em litografia. O mesmo tipo de detalhe conduz o terceiro livro, o microscópico Cromografias. Ele traz zooms do primeiro ano da revista O Tico-Tico, de 1905, que produzia histórias em quadrinhos com técnicas anteriores à impressão colorida. “Quando eu estava fotografando os periódicos, comecei a perceber detalhes impressionantes na impressão. Eles são quase como pinturas livres improvisadas”, conta Piqueira. Além disso, o livro conta a história da impressão colorida desde a criação da prensa por Johannes Gutenberg, no século 15. A off-set CMYK, técnica de impressão colorida atual, usa as cores ciano, magenta, amarelo e preto para pôr todos os tons no papel. Cromografias mostra imagens abstratas originadas de reproduções ultra-ampliadas dos quadrinhos da O Tico-Tico, revelando a sobreposição de riscos e traços nas cores primárias para dar a impressão de outros tons nas páginas.
A residência na BBM
Mesmo sem ser um pesquisador acadêmico formal, Piqueira entrou no 9º Edital de Residência em Pesquisa da BBM. Por meio da residência artística na BBM, ele realizou o que considera ser uma “vontade compartilhada” entre ele e a biblioteca: fazer o acervo circular. Por ter edições originais e raras, apenas pesquisadores autorizados podem acessar os livros da biblioteca. Por isso, a criação de livros sobre essas edições é uma forma de ampliar o conhecimento e atingir novos públicos.
Piqueira já nutria “um vínculo afetivo com a BBM” desde a sua fundação, em 2013. Foi ele também quem produziu o ensaio visual do livro BBM 10 Anos: Uma Biblioteca Viva, que celebrou a trajetória da instituição desde a doação do acervo, em 2006, até os avanços na disseminação do conhecimento. Essa disseminação se dá especialmente com as Publicações BBM, setor da biblioteca que transforma as pesquisas sobre o acervo em livros. “Uma biblioteca não é só um museu, como era antigamente”, afirma o professor Plinio Martins Filho, editor das Publicações BBM. “Ela tem que ser viva. Tentamos fazer livros que engrandeçam também a biblioteca, uma espécie de devolução do que os livros dão para a gente, produzindo livros sobre livros.”
Está previsto para breve o lançamento de um livro sobre Piqueira na Coleção Artistas da USP, uma série produzida pelas Publicações BBM que valoriza a produção não textual dos pesquisadores. “A Universidade, não só no Brasil, tem uma tendência a valorizar apenas o conhecimento escrito e não a parte artística, estética, visual, prática das coisas”, justifica Martins.
Os livros Nasce um País, Cacofonia à Brasileira – Um Olhar sobre o Brasil Pitoresco de Victor Frond e Cromografias, de Gustavo Piqueira, serão lançados no dia 5 de junho, quinta-feira, às 19 horas, na Livraria Gráfica (Rua Barão de Tatuí, 509, Santa Cecília, em São Paulo). Entrada grátis. Os ensaios gráficos que deram origem aos livros estão disponíveis no Portal de Livros Abertos da USP.
