Eu queria ser gordo e endemoniado como o Ozzy Osbourne. Bom, acho que consegui. Sempre fui mais gordinho mesmo e, às vezes, meu cabelo crescido, sem corte e ensebado parecia com um bad hair day dele na fase mais insana de sua carreira solo.

Eu amava o Ozzy que veio ao Rock in Rio. Que cheirou as formigas, botou fogo no galinheiro e mordeu o morcego (tinha esse pôster no meu quarto). Esse era o meu ídolo antes dos 10 anos. Talvez o único que eu tive na vida.

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Mas a melhor coisa sobre John Michael Osbourne é que ele foi muitos e todos foram muito bons, mesmo em seus piores momentos. O Ozzy que se despediu hoje com classe, aos 76 anos, era o chefe de uma espécie de exército peculiar que liderava pelo exemplo.

Há uns 2º e tantos anos, porém, ele tinha virado uma celebridade mundial ao expor seu clã adoravelmente tacanho na série de TV que hoje sabemos ter dado uma chacoalhada no mundo da comunicação por antecipar a hiperexposição como expressão alta de linguagem, humor e marketing amoroso.

O “príncipe das trevas’ de pantufas tendo flashback de ácido com seus cachorrinhos. Eu não devia, mas adorava aquela merda.

Hi, here’s Ozzy

Entre as coisas mais malucas que aconteceram está a tarde em que eu convalescia no sofá de casa após fazer uma cirurgia e o último telefone fixo (3262-4638) que tive tocou — e era Ozzy Osbourne. Tínhamos combinado a entrevista há meses e esses ingleses são homens de uma palavra só.

Ele ligou no jornal e falaram que eu estava de licença médica, e ele então ligou na minha casa ou algo assim. Não falamos nada com nada, mas foi, de longe, a melhor entrevista que já fiz na minha vida, apesar de ter feito uma segunda, mais calma e profissa, anos depois.

No final dos anos 1980, eu e meus irmãos achamos um baú de discos de um tio que, entre outras pepitas, tinha a gema maior: a über coletânea dupla We Sold Our Soul for Rock ’n’ Roll, do Black Sabbath — e tocou o trítono do metal na nossa alma. Nunca mais ninguém foi o mesmo.

Tell me, people, am i going insane?

Ozzy, o Sabbath e  seus desdobramentos foram o som da minha adolescência inconsequente. Que puta tempo bom.  Fui a todos os shows do Ozzy Osbourne no Brasil desde 1996, com a certeza de que seria o último, mas o maior frontman do rock enterrou muitos dos contemporâneos, enquanto inventou muitas personas, fez coisas divertidíssimas e bonitas depois de ser desenganado no final dos anos 1980.

A literatura criada por ele ou sobre ele é incomparável no showbiz. As melhores histórias são as dele e, mas no fundo, ele era apenas o que todos somos, um cara fodido e desajustado que um dia pirou ouvindo os Beatles e achou um galho para se agarrar e fugir da vida no abatedouro ou na fábrica de buzinas.

Só que não era um galho qualquer, mas um tronco, o mais sólido do século 20 na história da arte e da indústria cultural — e foi o mais adorável dos alucinados, o mais bonito dos zarolhos, o mais divino dos caídos em desgraça. A despedida honrosa que o mundo que ajudou a criar lhe fez foi um das últimas ideias sensatas do destino.

See you on the other side, Mr. Osbourne.

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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