“Se farinha fosse americana e mandioca importada, banquete de bacana era farinhada.”
É com esse refrão grudento e espirituoso que começa Pablo e Luisão, série criada por Paulo Vieira para a Globoplay que conquistou o Brasil com humor afetuoso, crítica social sutil e um retrato honesto do povo do cerrado. A música de abertura — uma catira de batida firme e versos cheios de poesia popular — é assinada por Juraildes da Cruz, compositor tocantinense que defende á anos a cultura regional.
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Nascido em 1954, em Aurora do Norte — município então goiano e hoje pertencente ao Tocantins — Juraildes cresceu entre cantigas de roda, catiras, toadas e os discos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Ainda menino, mudou-se com a família para Goiânia, onde aprendeu a tocar violão e iniciou a trajetória musical que o levaria aos principais festivais de música do país.
A estreia nos palcos aconteceu em 1976, quando venceu o Festival de Artes de Inhumas (GO). Já em 1979, brilhou no histórico Festival Tupi, em São Paulo, ao lado de nomes como Elba Ramalho, Caetano Veloso, Zé Ramalho e Alceu Valença. O primeiro disco, Cheiro da Terra, foi lançado em 1990 e contou com participações de Sebastião Tapajós, Paulo Moura, Jaques Morelenbaum e Xangai.
Em 1998, Juraildes venceu o Prêmio da Música Brasileira com a canção “Nóis é Jeca, Mas é Joia”, escolhida como tema de abertura da série. Com seu humor filosófico e sotaque do interior, a faixa se tornou um hino informal do Tocantins — e agora, alcança uma nova geração por meio da televisão e do streaming.
A presença da canção na série não é apenas uma escolha estética. Ela traduz a alma de Pablo e Luisão, uma história que celebra laços de amizade, sabedoria popular e modos de vida que pouco aparecem m audiovisual nacional. “A música é um pé no chão e outro no universo”, costuma dizer Juraildes.
Com músicas gravadas por nomes como Pena Branca e Xavantinho, Margareth Menezes, Rolando Boldrin e Xangai, o artista também já teve canções em trilhas de novelas, como A Favorita. Ainda assim, mantém-se fiel ao seu estilo que é mais do que gênero. “Eu não invento um personagem. Eu sou ele”, afirmou no Encontro de Culturas da Chapada dos Veadeiros.
Além de músico, Juraildes é um contador de causos e um defensor das tradições populares. Participou diversas vezes do Projeto Pixinguinha e é figura frequente em encontros culturais por todo o país com uma atitude não é de nostalgia, mas de ação: ele acredita na força do matuto, na delicadeza da simplicidade e no poder da música como território.
Hoje, sua catira embala os episódios de uma das séries mais queridas do Brasil, saindo das veredas do cerrado para a casa de milhões de espectadores de todo o país .