Esperança brasileira no Oscar e indicado nesta segunda-feira (9) ao Globo de Ouro, o filme Ainda Estou Aqui tem lotado cinemas em todo o país. Porém, em nenhuma outra sala, os resultados são tão bons quanto no Cine Passeio, em Curitiba.

Salas do Cine Passeio tem a melhor taxa de ocupação do país. Foto: Divulgação

Em cartaz há um mês no Cine Ritz, uma das salas com 88 poltronas do cinema de rua curitibano, o filme de Walter Salles foi exibido em 34 sessões para um total de 2.960 pagantes. Uma média de 87 pessoas por sessão, ou seja, uma incrível taxa média de 100% de ocupação.

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Um fenômeno que se deve, em parte, à repercussão massiva do filme, mas também aos números altamente positivos do complexo de cinema público que contempla duas salas – o Cine Luz e o Cine Ritz –, além de outros três espaços de exibição que incluem uma sala ao ar livre e uma sala que pode ser alugada para assirtir filmes e séries em grupos, além de um café que vive lotado.

Um cinema de rua em Curitiba. Foto: Daniel Castellano / SMCS

O Cine Passeio ocupa, desde 2019, o prédio de um antigo quartel do Exército e, nestes quase seis anos de atividade, alcançou uma taxa média de ocupação de 48,5%. Quase o dobro da média nacional, que fica na faixa  de 25%, segundo dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Até o fim de 2024, o cinema deve bater a marca de 100 mil ingressos vendidos.

Na Contramão

Além disso, o espaço tem qualidades não tão fáceis de medir em números. Desde sua inauguração, o prédio ilumina a outrora sombria esquina das ruas Riachuelo e Carlos Cavalcanti, no centro de Curitiba. No café do Cine Passeio, as pessoas se ocupam de recuperar a tradição de conversar sobre cinema antes e depois das sessões.

A construção do Cine Passeio, que durou mais de uma década, deu um uso nobre a um edifício de história sinistra, na contramão do que tem acontecido nas últimas décadas nas grandes cidades brasileiras que veem seus cinemas de rua desaparecerem.

Uma luz sempre acesa na região central de Curitiba. Foto: Daniel Castellano / SMCS

Há, portanto, uma inegável ironia no fato de o melhor desempenho de Ainda Estou Aqui ocorrer nas dependências de um antigo quartel que hoje é equipamento público cultural de referência.  O nome Cine Passeio, é emprestado do Passeio Público, parque público mais antigo de Curitiba, que fica há poucas dezenas de metros do cinema. 

“O Cine Passeio traz aquele gostinho de nostalgia dos cinemas de rua. Tardes de pipoca e algodão-doce. Um filme iraniano e, depois, uma comédia bem sessão da tarde. É tudo de bom!”, disse a servidora pública Vanessa Roberta Souza, uma frequentadora assídua do cinema.

O supervisor de programação Eduardo Karas, explica que o público do espaço é eclético e dividido em três grupos principais. Há um público de moradores da região central, entre os quais muitos aposentados, que não iam mais ao cinema por não gostarem das salas de shopping, mas agora frequentam o Cine Passeio.

A velha arte de falar de cinema depois de uma sessão. Foto: Divulgação.

Há o público cinéfilo, uma espécie de fan base do Cine Passeio, que segue a programação nas redes, cobra a exibição de filmes e participa dos festivais e eventos especiais da programação. E há uma boa parcela do público que vem pela facilidade de acesso da área central e pelo preço acessível dos ingressos. A inteira custa R$18 reais e a meia R$9.

Curadoria Dupla 

Marden Machado e Marcos Jorge: dupla de curadores do Cine Passeio. Foto: Maringas Maciel.

Para atender a esses três grupos – e ao público em geral –, há uma dupla responsável pela curadoria de programação que atua em conjunto desde antes da inauguração do espaço: o jornalista e crítico Marden Machado e o cineasta Marcos Jorge. O trabalho deles explica muito do sucesso do Cine Passeio.

Diretor da série de filmes Estômago 1 e 2, Marcos Jorge explica que a curadoria busca equilibrar os objetivos de atrair público com a missão de oferecer filmes que não serão vistos em outros lugares. “A gente equilibra muito o que é um cinema autoral com um cinema comercial. Mas tem uma linha de corte clara: se o Marden não gostar, está fora”, brinca.

“Cada semana, a gente faz uma mistura de filmes brasileiros e estrangeiros que só entram em cartaz aqui. Filmes esquisitos que nenhuma outra sala quer, mas também filmes que sabemos que podem funcionar com o público, que consegue assistir aqui com ingresso mais barato”, conclui.

Uma sessão ao ar livre no terraço do Cine Passeio. Foto: Daniel Castellano/SMCS

Já Marden explica que a primeira decisão tomada foi por uma programação horizontal em que há “um filme por sessão”. Assim, nunca há chance de um blockbuster tomar as salas e horários como ocorre nas salas de shopping. Como são quatro sessões em cada uma das duas salas durante a semana, há pelo menos dez filmes diferentes em cartaz, sem contar as matinês e sessões especiais.

Além disso, há uma cláusula pétrea nunca quebrada no Cine Passeio: “temos compromisso assumido de que toda semana tem que haver pelo menos um filme brasileiro em exibição. Já teve uma semana em que chegaram a estar seis filmes nacionais em cartaz”, conta Marden.

A experiência de Marden como crítico e pesquisador se alia à habilidade e prestígio de Jorge em negociações nem sempre tão fáceis com as distribuidoras. Assim, a programação é diversa, e muita gente nem olha as sessões, acreditando que, indo ao Cine Passeio, sempre haverá algo bom para assistir.

A sala POD; espaço para ver filmes e séries com grupos de amigos. Foto: Divulgação

“É engraçado: tem filmes que funcionam muito bem no shopping e aqui não funcionam. E vice-versa. O Wes Anderson só funciona aqui. Almodóvar aqui bomba. Eu vi na sessão do curta do Almodóvar: estava lotado. E foi o único cinema do Brasil que exibiu o curta”, disse Jorge.

Entrega do Oscar

Nestes seis anos, o Cine Passeio também virou ponto de eventos e festivais, como o Olhar de Cinema, Varilux e mostras temáticas. Em outubro, o cineasta Francis Ford Coppola participou de uma sessão especial de seu filme Megalópolis, mas antes nomes como Luiz Fernando Carvalho, Marcelo Gomes, Milton Hatoum, Laís Bodanzky, Bruno Barreto e Murilo Hauser já haviam mostrado seus filmes ao público no Cine Passeio.

Nascido em Curitiba, Hauser é um dos roteiristas de Ainda Estou Aqui, que, com este impressionante mês de casa cheia, caminha para bater Parasita, até então recordista de bilheteria com 20 semanas em cartaz no Cine Passeio. Em segundo lugar está Bacurau, que ficou 13 semanas em cartaz. 

Mas o filme com Fernanda Torres  está prestes a assumir essas posições, principalmente se for confirmado na lista de concorrentes ao Oscar. Aliás, nos dias de entrega do Oscar, Marden e Jorge tradicionalmente fazem concorridas sessões especiais com a cerimônia nas telonas e comentários ao vivo dos curadores e convidados. Este ano, a sessão promete ser das mais animadas com as chances reais do cinema brasileiro.

Cine Passeio. equipamento cultural mais querido de Curitiba. Foto: Daniel Castellano / SMCS

Para Marden, muito além dos números, o reconhecimento se dá, quando sem querer consegue ouvir trechos de conversas de espectadores no café. “Na última semana, ouvi um casal dizendo que adorava o cinema. A moça elogiou a sala, o café e os banheiros, e o rapaz respondeu que, mesmo se fosse um cinema poeira, ele gostava mesmo é da programação. Ou seja, é sinal de que estamos fazendo um bom trabalho”, disse.

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O Cine Passeio me fez voltar ao cinema. Muito obrigada!!!

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Sandro Moser é jornalista e escritor.

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Fringe é uma plataforma de comunicação e entretenimento sobre arte e cultura brasileiras criada dentro do Festival de Curitiba e conta com o patrocínio da Petrobras

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